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Regressamos hoje ao tema com que se iniciou este itinerário de reflexão sobre o papel do ‘’caso BPN’’ na narrativa da crise.

 

Teixeira dos Santos lançou na comunicação um tópico interessante para a justificação da nacionalização do BPN que foi entusiasticamente recebido por todos os envolvidos. É assim:

 

Não podemos apurar se de facto a nacionalização se justificava e foi uma medida sensata. Foi ditada pelo contexto, sobretudo pelo pânico que a recente falência da Lehman Brothers provocava. Foi o pânico da crise que ditou a nacionalização do BPN.

 

É notável, para mais, que ninguém conteste esta alegação pusilânime e dissimuladora. É curioso que, não podendo questionar a nacionalização e não havendo já outra justificação, a própria coligação então na oposição a José Sócrates, aceite que foi o pânico que conduziu à nacionalização do BPN. Embora a coligação viesse a, por pânico também, privatizar de novo o BPN.

 

Sem dúvida, o pânico da crise serve para dar cobertura a tudo. Foi o melhor argumento de boa governação jamais engendrado.

 

Mas regressando aos tópicos com que inaugurámos este itinerário, vamos tentar entender que pânico era esse.

 

O ‘’caso BPN’’ tornou-se mediático quando Miguel Cadilhe apresentou à comunicação social o seu programa de solução para uma alegada crise de sustentabilidade do BPN, que se devia, pelo que era revelado, à contaminação por alguns ‘’tóxicos’’.

Até lá, apenas corriam uns rumores de que algo se passava no BPN.

 

Os únicos ‘’tóxicos’’ explicitamente referidos por Cadilhe eram três. Uma emissão comemorativa de moeda que o BPN adquirira à Casa da Moeda. Uma colecção de pintura de Miro. Uma ‘’colecção de arte egípcia". Não se referiam outros ‘’tóxicos’’. Até à nacionalização não se referiram outros ‘’tóxicos’’.

 

De acordo com Cadilhe, a venda imediata desses ‘’tóxicos’’ reequilibraria a situação financeira do BPN. Pelo que mandou reavaliar os ‘’tóxicos’’ e preparar a venda imediata, através de um site online que chegou a ser criado. Mas ficou sempre por preencher.

 

A não ser que o Banco de Portugal tivesse transmitido informação que veio depois alegar que era confidencial e estava ao abrigo do segredo profissional, ninguém saberia de mais ‘’tóxicos’’ na contabilidade do BPN.

 

Os outros ‘’tóxicos’’ sairiam da cartola, como coelhos, levantados pela administração nomeada pela CGD. Mas nem todos. A toxicidade era administrada com muita astúcia.

De modo que temos que dar como adquirido que o BPN tinha, na altura, um deficit de cerca de quinhentos mil Euros na sua contabilidade, garantidos, exclusivamente, por três ‘’produtos’’ financeiros ‘’tóxicos’’.

 

Ora, os ‘’tóxicos’’ foram desde logo reavaliados por uma ‘’prestigiada leiloeira’’, que lhes reconheceu, sem hesitação, valor superior ao da entrada em contabilidade. Na realidade, até parecia combinado, só quem não conheça a ‘’reputada leiloeira’’.

 

Seja, baseados em estimativas, a venda dos ‘’tóxicos’’ responderia por cerca de metade do valor do deficit anunciado.

 

Já não era mau, porque o BPN tinha em carteira, para aplicações de emergência, um depósito de, pelo menos, setecentos mil Euros da Segurança Social.

A coisa posta assim é caricata, bem sabemos, mas, na verdade, estes eram os dados de que partiu a decisão da nacionalização. Outros só poderiam ter sido recolhidos após a administração nomeada pela CGD ter acesso à contabilidade, após a nacionalização.

 

Ora, que tem uma situação destas, bem caricata, convenhamos, que ver com a Lehman Brothers????!!!!

 

Interrogado assim, o contexto, mesmo introduzindo o aroma do pânico, é um cozinhado caricato.

Mas o mais caricato, sem dúvida, foi o anúncio de Cadilhe, que deixou os antiquários e caçadores de tesouros a mastigarem saliva. Todos na expectativa de acompanhar os primeiros lances sobre a ‘’colecção de arte egípcia’’ e sobre a colecção de pinturas de Miró. Mas o site de apresentação da mercadoria continuava vazio.

 

É sabido que a PARVALOREM está a vender a colecção de pintura de Miro violando todos os normativos sobre a concorrência. Está a vender as pinturas confidencialmente, a parceiros e amigos, defraudando os interesses de outros compradores. Nunca apresentou publicamente as obras, o que, tratando-se de património público, constitui uma óbvia violação da Lei.

 

Mas mais grave, ainda, é o facto de ninguém conhecer a ‘’colecção egípcia’’ nem o relatório de avaliação da Christie’s. A Christie’s é uma leiloeira reputadíssima, produziu um relatório de avaliação. É natural que os potenciais interessados na aquisição da ‘’colecção egípcia’’ quisessem decidir livremente, segundo os seus critérios, se a colecção é ou não autêntica, como terá reconhecido a Christie’s no seu relatório de avaliação.

 

Nós sabemos que a ‘’colecção egípcia’’ não foi comprada pelo BPN, foi comprada pela GESLUSA, empresa do grupo SLN, hoje GALILEI. Era mais uma trapalhada de identidade se o BPN fizesse a ‘’colecção egípcia’’ da GESLUSA responder pelo buraco do BPN, a não ser que a ‘’colecção egípcia’’ estivesse penhorada ao BPN e o BPN se encontrasse já em fase de execução das dívidas da GESLUSA.

 

Na verdade, tudo isto é uma trapalhada, porque temos agora a confirmação de que a ‘’colecção egípcia’’ se encontrava sem paradeiro há muito. Cadilhe nunca a terá visto. E resta saber através de que procedimentos a Christie’s a terá avaliado.

 

O valor da ‘’colecção egípcia’’ não seria relevante no contexto dos valores que o ‘’caso BPN’’ viria a acumular. Mas, de facto, não se trata disso. Trata-se de saber onde está e qual é o regime jurídico da partilha de propriedade pelos portugueses, uma vez que, após a nacionalização do BPN, pressupostamente, a ‘’colecção egípcia’’seria património público.

 

Mas não. É propriedade da GESLUSA, que é queixosa no processo em que se alega a sua não autenticidade.

 

E o que é certo é que, dizendo nós publicamente e insistindo em que a ‘’colecção egípcia’’ está sem paradeiro e parece irrecuperável, ninguém nos contesta, pelo que teremos que dar por certo o que sempre alegámos: A ‘’colecção egípcia’’ já não existe.

 

Mas recuemos de novo. Porque razão Miguel Cadilhe fez questão de depositar na ‘’colecção egípcia’’ as expectativas de solução do problema BPN? A ‘’colecção egípcia’’ era propriedade da GESLUSA.

 

O leitor cruze toda esta matéria e responda, como se fosse a uma adivinha.

 

O BPN foi nacionalizado pelo pânico de Teixeira dos Santos de que a Lehman Brothers contaminasse a economia portuguesa?

 O BPN é, simplesmente, um ‘’superavit’’ da crise.

 

 

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