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Excelentíssimo Senhor Procurador da República Jorge Rosário Teixeira.

 

Já terá Vossa Excelência notado que nem contestei a sua Acusação no âmbito do Processo 91/09.9JDLSB nem requeri a Instrução.

Como terá também notado, requeri oportunamente a extensão do prazo para o poder fazer, pelo que pude reflectir serenamente durante mais de dois meses.

Importa neste passo que lhe manifeste que considero deplorável e a todos os títulos lamentável que Vossa Excelência tenha articulado toda a sua acusação tendo-me ouvido uma só vez durante umas escassas duas horas, quando me constituiu arguido já quase no termo das investigações e das diligências processuais que decorriam há cerca de seis anos. E durante esse breve colóquio não quis Vossa Excelência saber sequer como eu contestaria ou não os temas estruturantes da sua acusação, omitindo-os e colocando ênfase nuns temas extravagantes, como o de apurar se eu reclamaria direitos de autoria de uns textos que outro arguido escrevera, que, para ser franco e leal, me fizeram logo deduzir que Vossa Excelência não pretendia esclarecer fosse o que fosse, já sabia tudo, ou seja, já tinha construído o elenco das acusações.

Ora, se Vossa Excelência me tivesse interpelado acerca dos temas específicos da Acusação, teria com certeza compreendido que é absolutamente absurdo e leviano acusar-me de ter falsificado, em conluio com outro dos arguidos e na máquina de escrever de um terceiro, uns verbetes de achamento. Se me tivesse ouvido sobre esta matéria, iria de seguida aos autos do Processo com uma metodologia mais rigorosa e exaustiva verificar que, na realidade, nenhuma diligência ou documento faz prova de que, sequer, os verbetes tenham sido escritos na máquina de escrever apreendida a um dos arguidos. Quanto mais a identidade de quem os escreveu.

Vossa Excelência acusa-me também de ter permanecido, desde 2003, convicto de que as peças que o arguido Joaquim Pessoa vendia eram falsas. Ora, Vossa Excelência sabe que, em sede de julgamento, terá que apresentar provas documentais objectivas da minha convicção, que terá que carrear dos autos.

Reclamo a sua atenção para o seguinte, Excelentíssimo Senhor.

Vamos supor que eu o vou acusar de estar liminarmente convicto de que as suas acusações são falsas, o que é de resto óbvio quando as confrontamos com as matérias constantes dos autos. O seu crime é bem mais grave do que o meu, concordará comigo.

Vamos também partir de outro pressuposto. Eu, Excelentíssimo Senhor, sou e sempre fui um convicto cidadão republicano e nunca rejeitei as responsabilidades cívicas que de tal me advém. Nunca poderia pois aceitar que um magistrado da Nação, fossem quais fossem as funções em que foi investido, se escudasse por detrás de um estatuto de impunidade e de imunidade para encobrir propósitos que se apresentam como claramente lesivos não apenas de legítimos direitos individuais ou colectivos mas e sobretudo do bom nome das instituições.

Eu, Excelentíssimo Senhor, recuso-me a aceitar as abusivas prorrogativas que o sistema judicial e os seus agentes e magistrados se habituaram, mormente nos últimos tempos, a requerer para si próprios, reduzindo os cidadãos a uma servidão e conformismo incompatíveis com os princípios de equidade que deviam reger a República. Semeando e disseminando um pânico surdo, mascarado de respeito pelas instituições e por uma hipócrita ‘’autoridade democrática’’, que serve exclusivamente o propósito de dar cobertura a juízos e decisões discricionárias, sem contestação.

Devo ainda informá-lo que, do meu ponto de vista, foi Vossa Excelência, ao tornar pública a Acusação oferecendo-a aos ‘’cães’’, tolerando que a comunicação social a divulgasse da forma como o tem feito, que suscitou em mim o dever de expor publicamente, sem qualquer restrição ou inibição, não apenas as irregularidades processuais óbvias, mas o seu propósito. Porque Vossa Excelência está e esteve sempre convicto, como demonstrarei publicamente e em sede de julgamento, de que os propósitos deste Processo e do impacto mediático que lhe tem sido dado são políticos.

Estou para mais convicto de que a clarificação das matérias que contextualizam este Processo tornará também mais claras as matérias que hoje tornam para nós evidente o propósito que move a administração de todo o elenco de processos com que se tentaram branquear as implicações envolvidas no ‘’caso BPN’’.

E deixe-me apenas citar-lhe um detalhe.

Não consta dos autos qualquer diligência, promovida por Vossa Excelência ou por qualquer outro magistrado, para tentar saber porque razão a denominada ‘’colecção Pessoa’’, assumidamente propriedade de GESLUSA, permaneceu sempre, alegadamente, nas instalações do BPN, na Avenida António Augusto de Aguiar. Tal incongruência nunca suscitou a curiosidade dos investigadores? Vossa Excelência ter-se-á apercebido de que esta ambiguidade sugere uma insondável promiscuidade persistente entre o BPN nacionalizado e a SLN despenalizada?

Não consta também dos autos qualquer prova incontestável do paradeiro alegado da colecção, excepto o relato de duas diligências da Polícia Judiciária, uma delas acompanhada por uma tal Comissão de Peritagem, que, como verificará, são liminarmente contestáveis. Pelo que é legítimo que me interrogue acerca dos ‘’segredos’’, das lacunas processuais, das matérias que persistem irregularmente em ‘’segredo de justiça’’ que a sua mediática Acusação tem como propósito encobrir.

Bem, segundo consta do que tem sido divulgado sem que Vossa Excelência ou a instituição judicial que representa o contestem, alguns arguidos em processos do elenco BPN e associados são acusados, entre outros crimes, do de ‘’participação em negócio económico’’. Não consigo, com recurso aos códigos em vigor, tipificar esse crime, pensei que os negócios económicos fossem, em si, legítimos no quadro dos princípios constitucionais que regem a Nação. Mas sei em que circunstâncias o negócio político deveria ser considerado um crime.

Esta, Excelentíssimo Senhor, poderia exceder as duas mil e tantas páginas dos autos reunidos para alicerçar a sua Acusação.

Mas vou concluí-la sintetizando o meu propósito.

Vossa Excelência ou o Juiz Carlos Alexandre podem mandar prender-me por alegado insulto às instituições judiciais e aos magistrados, por uso indevido de matéria processual que interesse aos propósitos deste Processo manter em ‘’segredo de justiça’’. Ou por outra razão qualquer.

Não faria mais que reforçar não só a minha convicção mas a minha razão.

Vossa Excelência poderia ter conhecido com mais profundidade o sujeito que entendeu por bem e sem mais acusar de tantos desaforos. Lamentavelmente escolheu não o fazer.

Espero, seja onde e em que circunstâncias for, beber um copo de bom vinho com Vossa Excelência.

Mas não vou prescindir do meu direito de interpelar publicamente, para lá do contexto restritamente judicial, que Vossa Excelência inquinou, os propósitos e a torpe ‘’manha’’ ou maneira processual a que recorreu. Ou que sancionou.

 

Os meus cumprimentos.

 

Coimbra, 12 de Setembro de 2014.

 

Manuel Maria Guimarães de Castro Nunes

 

 

 

 Relacionados:

 

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