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O lado do Caso BPN que poucos conhecem nos seus trâmites mais profundos, obscurecidos pelos interesses das partes envolvidas. O relevo dado a duas colecções de arte entretanto sem paradeiro, fazendo crer que são motivo de todo o descalabro do caso BPN
"As medidas de coação doutamente promovidas, no entender do juiz de instrução criminal, a pecarem, não será por excesso”.
(Carlos Alexandre, a propósito da contestação da medida de prisão preventiva pela defesa de José Sócrates.)
Numa atitude de certa bonomia condescendente, a defesa de José Sócrates alegará no recurso, que o semanário EXPRESSO dá a conhecer em extractos cautelosos ou mesmo tendenciosos, que o critério usado pelo juiz é ‘’vicioso e ilegal’’.
Eu diria que o critério é perigoso. Mas sobretudo o comentário do juiz, exarado e emitido em despacho, deveria ter sido já submetido a um rigoroso escrutínio por parte da ‘’supervisão’’ judiciária e que a magistratura, como instituição, deveria ter-se já pronunciado sobre o episódio.
Para lá de ser um claro e incontestável indício da parcialidade e do móbil do juiz, o comentário é uma ameaça explícita. O juiz avisa o arguido de que pode dispor de medidas mais excessivas do que a prisão preventiva para lhe aplicar. Por isso é um super juiz, investido, consensualmente, em poderes excepcionais.
Vamos analisar com rigor este extracto.
O arguido é, no passo actual do processo, suspeito. Não está ainda acusado. Tudo indica, mesmo, que as suspeitas são muito precárias, o que tem obrigado o juiz e o procurador a incorrerem em perigosas ilegalidades para urdirem acusações ou suspeitas periféricas ou alheias à matéria processual, revelando e publicitando escutas que deviam estar arquivadas ou ter sido destruídas, porque, nomeadamente, opõem-se ao direito à privacidade de sujeitos alheios à matéria processual.
Penso ser dispensável insistir, no estado actual da questão e do debate público, em que as medidas de coacção estipuladas no Código do Processo Penal foram formuladas com fins explícitos e por eles condicionadas. Não há, à partida, excesso nem defeito de qualquer das medidas legalmente estipuladas na relação com os seus fins, que estão enunciados.
A mais excessiva das medidas de coacção é a prisão preventiva. E deve ser considerada excepcional e aplicada em condições enunciadas com rigor na lei, embora saibamos que, mesmo quando a lei tenta proteger-se de toda ambiguidade, o espírito tortuoso de um magistrado ou de um suspeito, arguido ou réu a consiga distorcer.
A distorção da lei, do seu espírito e do seu propósito é entre nós correntemente louvada como uma habilidade.
Mas estaremos neste caso face à distorção da lei? Na verdade, não. Estamos face a uma inesperada e discricionária expressão da vontade e intenção de a violar por excesso.
Esta questão, esta súbita e imprudente confidência do juiz, assim expressa sem qualquer ambiguidade, num despacho, devia ter aberto, de imediato, um debate profundo na sociedade portuguesa que conduzisse a um rigoroso escrutínio de todo o sistema judicial.
Ao exprimir-se desta forma, o que o juiz declara de forma irrevogável é que, apesar de o não conseguir provar, ou de o Ministério Público o não ter conseguido ainda provar, convicto, antes mesmo da conclusão da investigação e da dedução da acusação, da culpa do suspeito, não conformado com as dificuldades manifestas na recolha da prova e consolidação da suspeita, poderia ter aplicado ao suspeito medida mais excessiva do que a prisão preventiva. O juiz não declara explicitamente qual. Pelo que não há limites que legitimamente possam ser impostos à imaginação. Tal juiz tais excessos.
Já há muito que é visível, entre juizes e procuradores, entre procuradores e polícias, este mal estar com a lei, que atrapalha a justiça. Que não se coaduna com a aplicação a um suspeito de uma pena mais excessiva do que a prisão preventiva. Que não aceita, em sede de suspeita e de investigação, a convicção do juiz ou do procurador, ou mesmo do polícia como prova. Uma magistratura e uma polícia que convivem mal com o estado de direito e com a lei. Uma magistratura e uma polícia que conspiram, exorbitando das suas legítimas atribuições, contra o Estado de direito e contra a lei, quer através de manhas processuais, quer através do atropelo explícito de direitos e de garantias.
Uma magistratura e uma polícia que gostariam de fazer a lei, conforme as conveniências processuais e presunções, e de não serem constrangidos a, simplesmente, aplica-la. Por vezes, somos levados a crer em que a raiva dos magistrados e polícias contra os denominados ‘’políticos’’ que no parlamento têm atribuição legislativa, advém do seu mal estar por serem obrigados a aplicar uma lei que não escreveram. E talvez seja a razão por que em Portugal a lei cede e recua em frente ao passo devastador da jurisprudência.
Há muito também que alertamos para o facto de as magistraturas e as polícias serem as corporações e segmentos do estado em que o salazarismo e o seu espírito se manifestaram sempre mais resistentes. É por isso que, para lá da razão, as medidas propostas pelos doutos juízes são sempre mais doutas do que a lei. E é por isso que os juízes continuam a ser os meritíssimos, tenham ou não mérito.
Enquanto o poder judicial não puder ser sem inibições nem preconceitos escrutinado, não deixará de haver corrupção política em Portugal. Mas há coisas mais perigosas.
O super juiz Carlos Alexandre e o super procurador Rosário Teixeira acumularam um ror de atropelos ao Estado de direito neste processo, que, deve dizer-se, já vinham detrás e se replicavam de processo para processo. O que se tornou comum na prática destes super magistrados foi o propósito preceder a suspeita, o indício e a prova.
Mas esta mais recente expressão do super juiz Carlos Alexandre relativamente à medida de coacção imposta a José Sócrates deveria obrigar ao imediato afastamento cautelar do juiz e do procurador e suscitar um profundo debate.
Não se vá dar o caso de um dia, quando a história fizer os seus juízos, toda a magistratura parecer cúmplice.