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Vou então abordar de forma exaustiva as questões que se levantam relativamente à ‘’escolha’’, por sorteio automático, do Desembargador Agostinho Torres para relator do despacho sobre o recurso apresentado pela defesa de José Sócrates contra a prisão preventiva. Esta questão será talvez aquela que desmantela de forma demolidora toda a hipocrisia e demagogia primária que se tem exponenciado em torno deste processo e a partir daqui penso que só os hipócritas, manipuladores de instintos primários revanchistas, poderão continuar a alegar a apoliticidade deste processo.

 

Relevemos desde já que o resultado de um sorteio automático não é propriamente uma escolha. Porque os automatismos não estão habilitados a ponderar as questões políticas ou meramente éticas e deontológicas que o resultado de um sorteio pode suscitar. O automatismo não poderia pressupor que, ao selecionar Agostinho Torres, estaria a pôr a nu o facto de Agostinho Torres, por razões deontológicas, dever ter, previamente, solicitado a sua exclusão do sorteio.

 

Eu alertei desde sempre para que a promoção de super magistrados, por si, era perturbadora da ordem judicial, porque a promoção de um super magistrado pressupõe que existem, na magistratura, poucos ou apenas dois magistrados que são isentos. A partir do momento em que neste processo intervêm dois alegados super magistrados consensualmente aceites, a maior hipocrisia de toda a magistratura seria continuar a alegar a sua isenção e incorruptibilidade.

 

Ora, a atenção pública foi mobilizada para o sorteio que decorreria no Tribunal da Relação para selecionar o Desembargador relator do despacho por uma declaração do Procurador Rosário Teixeira, que havia requerido ou solicitado a presença e supervisão do sorteio. Não sejamos hipócritas, ao colocar assim a questão, o Procurador Rosário Teixeira admitia que no Tribunal da Relação haveria desembargadores em débito de isenção e credibilidade, que poderiam ser mobilizados por influência do suspeito.

É deveras curioso que, em devido tempo, ninguém, nem os alegados correligionários políticos de José Sócrates, tivesse meramente alertado, alegando que, de facto, havia no Tribunal da Relação desembargadores que poderiam ter razões para estar, à partida, independentemente da matéria processual, contra José Sócrates.

Mas ainda existe uma curiosidade mais perturbadora. O Procurador Rosário Teixeira sabia com certeza que os sorteios no Tribunal da Relação eram automáticos. Porque razão colocou assim a questão? Por suspeitar da má fé dos automatismos?

Em minha opinião não era o móbil do Procurador Rosário Teixeira, suspeitar dos automatismos. O móbil do Procurador era a insistência pleonástica no carácter e no perfil do suspeito, que poderia mesmo, com a sua influência conspirativa viciar os resultados do sorteio. Mas o que é certo é que, ao tomar esta posição, o Procurador estava, uma vez mais, a desmantelar a alegada reputação de isenção da magistratura.

Eu tenho insistido em que, admitindo mesmo a complexidade destes casos e a pressão que desaba sobre um magistrado neles envolvidos, ninguém pode ser acusado da inabilidade bacoca nem da demagogia primária a que recorrem para suprir a debilidade processual através da manipulação da opinião pública. Insisto em que as manhas dos jornalistas superam de forma óbvia as manhas processuais dos magistrados e que a comunicação não é ou não devia ser apanágio dos magistrados. Quando se entregam aos jornalistas, os magistrados transferem-se do terreno que minaram para o terreno que foi minado antes de lhes ser franqueado. Por vezes anseio poder explicar estas coisas, cara a cara, ao Procurador Rosário Teixeira e ao juiz Carlos Alexandre.

 

Vamos pois pôr de parte, de uma vez por todas, a hipocrisia de partir do pressuposto de que a magistratura permanece isenta e independente, mesmo quando um magistrado lança suspeitas de falta de isenção de outro ou outros magistrados, enfrentando com um discreto sorriso as presunções bacocas do Presidente da Associação Sindical dos Juízes quando alega que a isenção e a dignidade dos juízes lhe foi atribuída pela Constituição, ainda que pendente da blindagem salarial.

 

Agostinho Torres foi nomeado Director Central do Combate ao Banditismo e Director Adjunto da Polícia Judiciária em Novembro de 2004, pelo então Director Nacional Santos Cabral. Estávamos no glorioso mandato de Pedro Santana Lopes, com Pedro Aguiar Branco no Ministério da Justiça. Agostinho Torres foi nomeado para substituir Ferreira Leite, acusado de violar segredo de justiça e de estado no âmbito de uma investagação sobre terrorismo.

 

José Sócrates foi eleito Primeiro Ministro em Fevereiro de 2005. Todos nos recordamos que as pastas da Justiça e da Administração Interna foram distribuídas aos ‘’dois Costas’’. António na Administração Interna e Alberto na Justiça. Uma guerra de bastidores despoletou logo entre os dois Costas, que, de resto, vinha de trás.

António Costa, como Ministro da Administração Interna, opunha-se à exorbitante concentração de poderes e jurisdição na Polícia Judiciária, que desde há muito requeria a exclusividade na investigação criminal, o desmantelamento das unidades de investigação criminal da PSP e da GNR, a restrição da jurisdição do SIS (polícia secreta), a coordenação dos meios e dispositivos de vigilância, nomeadamente das escutas.

Alberto Costa e Santos Cabral foram obrigados, para contemporizar, a fazer concessões a António Costa e a remodelar, em Junho de 2005, a Polícia Judiciária. No essencial tratava-se de substituir Agostinho Torres, pois a Direcção Central de Combate ao Banditismo colidia, em múltiplas atribuições, com o SIS.

 

Os machados de guerra enterraram-se quando Alberto Costa, pressionado por António Costa, demitiu Santos Cabral em Abril de 2006, substituindo-o por Alípio Ribeiro. A nomeação de Rui Pereira para Ministro da Administração Interna em 2007 assegurou a vitória conclusiva do SIS ate que a guerra fosse reiniciada por Paula Teixeira da Cruz e consumasse com a demissão de Miguel Macedo, no turbilhão dos vistos GOLD.

 

Poucos se aperceberam de que o processo dos vistos GOLD, que até agora parece circunscrito à confirmação das suspeitas de recebimento passivo de umas garrafas de vinho do Porto, tinha como antecedente o mal estar permanente entre Paula Teixeira da Cruz e Miguel Macedo, de novo em torno da matéria da concentração de poderes e jurisdição em matéria criminal na Polícia Judiciária.

A remodelação do Ministério da Administração Interna por Paula Teixeira da Cruz completou-se com a demissão de Horácio Pinto como Director do SIS. Mas, na verdade, todos tínhamos compreendido que os peões envolvidos no processo dos vistos GOLD eram todos altos funcionários sob a tutela do MAI, em funções que colidiam, de alguma forma, com a jurisdição da Polícia Judiciária.

O próprio pai do SIS, Rui Pereira, seria erradicado ao assumir as culpas pela anarquia no CITIUS.

 

Não estamos, por ora, a sugerir uma teoria da conspiração. A propor que o reforço da jurisdição dos super magistrados foi acompanhada pelo reforço da jurisdição da Polícia Judiciária, construindo um departamento fechado na administração da justiça configurado para a guerra e a conspiração política. Indícios são indícios e suspeitas são suspeitas.

Apenas alertamos os portugueses para que devem estar mais atentos e não se deixarem alucinar pelas capas dos pasquins.

As questões que coloco devem ser analisadas em profundidade.

 

A mim não me preocupa nada quem vai poder, no futuro, manipular em exclusivo os preocupantes dispositivos de vigilância e conspiração detidos pelo Estado, se a Polícia Judiciária se a polícia secreta. Não gosto muito da polícia secreta, mas gosto menos de que a Polícia Judiciária se vá tornando numa polícia conspirativa, configurada pelo modelo de Rui Pereira e de Ângelo Correia para a polícia secreta.

 

Mas, voltando à matéria que para o caso interessa, era dever de Agostinho Torres, sabendo que o sorteio era automático e os automatismos não ponderam matéria deontológica, propor a sua exclusão do sorteio.

Deixemo-nos de hipocrisias.

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12 comentários

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De J. Madeira a 05.02.2015 às 21:51

Com efeito, já na famosa operação "face oculta", um polícia e um
procurador viram um atentado contra o Estado de Direito!
Como diz, podem não ser conspirações mas, há enormes coinci-
dências que, deixam suapeitar da existência de vingança por maus
tratos sofridos com governos socialistas!
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De Maria a 07.02.2015 às 12:38

Já cheira demais a conspiração

https://www.facebook.com/DiariodeNoticias.pt/posts/995920643769580javascript:nicTemp(); (https://www.facebook.com/DiariodeNoticias.pt/posts/995920643769580)
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De Maria a 07.02.2015 às 12:39

https://www.facebook.com/DiariodeNoticias.pt/posts/995920643769580
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De J. Madeira a 07.02.2015 às 13:49

A direita trauliteira à falta de argumentos políticos, não tem o menor
pudor em recorrer aos meios que, consideram ser de Maquiável pa-
ra chegar e, manter o poder! Será difícil enganar todo um Povo!!!
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De André a 06.02.2015 às 02:35

Eu não acredito em bruxas...mas o Rosário Teixeira foi quem safou o portas no caso moderna.
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De champú? a 09.02.2015 às 23:11

Ó MCM diz lá quem é que então devia ser o venerando juíz.....
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De MCN a 10.02.2015 às 00:22


Excelentíssimo Senhor Champú.
Os juizes não são para venerar. Para venerar são as senhoras.
Mas, uma vez que venera o juiz, porque me trata por tu?
Mas, respondendo à sua questão, noutra formulação sem venerando, talvez tenha razão e não haja. Estou quase a perfilhar essa convicção, interpretando o que se passa com a magistratura poruguesa.
Até que um magistrado reaja ao descrédito em que mergulhou a magistratura em Portugal, ao aceitar tacitamente a nomeação de dois super magistrados, não consigo resagatar mínimo crédito no sistema judicial português.
Acrescento que, em minha opinião, era o sentido da sugestão de Mário Soares, ''que se cuide''.
Se eu fosse o venerando Agostinho Torres, por razões de dignidade e respeito pela magistratura e pelo Tribunal, mesmo que tivesse a certeza de que seria isento, não aceitaria o encargo.
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De cala-te a 12.02.2015 às 21:20

Mas..ó MCM, Venerando é como se usa tratar os Juízes do Tribunal da Relação. Olhe, escreveu para o boneco. 
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De Das innere Schweinehund a 12.02.2015 às 13:46

O pai do SIS parece-me ter sido Ramiro Ladeiro Monteiro. Estou enganado?
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De MCN a 12.02.2015 às 17:28

Sem dúvida que foi o primeiro Director nomeado, em 1986, penso, por Cavaco Silva, então Primeiro Ministro.
Todavia, a ideia e o impulso foram dados por Ângelo Correia, que protagonizou ainda, em 2010 e 2011, a remodelação da ''secreta'' e o seu desdobramento em SIS e SIED.
Mas na verdade podemos dizer que o SIS tem vários pais, tantos quanto figurinos lhe vão vestindo de acordo com o uso que dele vão fazendo.
Rui Pereira foi pai de um dado SIS, que foi o SIS do PS, de que se manteve titular durante mais de uma década, como Director ou como ''superintendente'' do boato, perdoe a expressão.
Eu nunca pertenci aos serviços secretos, pelo que tenho umas noções básicas e uma ideia vaga do assunto.
Mas estou certo de que quem pudesse acompanhar com detalhe os sucessivos episódios que têm vindo a lume e tivesse a chave para a sua interpretação, bem como das conflituosidades que os serviços secretos têm alimentado através de todo o aparelho de estado, umas vezes em coordenação com o sistema judicial outras em guerra, conseguiria alcançar o desígnio da história nacional.
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De O opinista a 20.05.2015 às 12:57

Incrivel.. Já existe um blog só para o caso Sócrates... casosocrates.blogspot.. Muito bom!!

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