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O lado do Caso BPN que poucos conhecem nos seus trâmites mais profundos, obscurecidos pelos interesses das partes envolvidas. O relevo dado a duas colecções de arte entretanto sem paradeiro, fazendo crer que são motivo de todo o descalabro do caso BPN
Foi anunciado na reunião plenária da Assembleia da República, de 27 de Novembro de
2008, um pedido do Partido Popular (CDS-PP) para a constituição de uma comissão
eventual de inquérito parlamentar à existência de uma falta grave na actuação do
Banco de Portugal no exercício do seu poder de supervisão do sistema bancário no
caso do Banco Português de Negócios.
Sobre o referido pedido, e ao abrigo do prescrito nos artigos 156º, alínea f), da
Constituição da República Portuguesa, 8º, alínea i), do Regimento da Assembleia da
República e 2º, nº 1, alínea a), da Lei nº 5/93, de 1 de Março, alterada pelas Leis nºs
126/97 e 15 /2007, respectivamente, de 10 de Dezembro e 3 de Abril, recaíram uma
proposta de alteração apresentada pelo Partido Socialista, bem como duas propostas
de aditamento apresentadas, respectivamente, pelo Partido Social Democrata e pelo
Partido Comunista Português e, ainda, uma proposta de substituição subscrita por
deputados do Partido Socialista, do Partido Social Democrata e do Partido Popular, a
qual veio a merecer a aprovação unânime dos partidos políticos com assento
parlamentar na reunião plenária de 5 de Dezembro do ano findo.
Na decorrência da sua aprovação, a Assembleia da República, pela Resolução
publicada no Diário da Assembleia da República II Série - A, nº 40, de 11 de Dezembro
de 2008, deliberou a constituição da comissão parlamentar de inquérito, a qual tinha
por objectivos determinar:
1) O apuramento da situação de ruptura do BPN e dos fundamentos que levaram à
nacionalização;
2) Quais os factos ou situações que contribuíram para facilitar, estimular ou ocultar o
conjunto de irregularidades agora detectadas ou para a sua não detecção atempada;
3) A existência de eventuais défices ou insuficiências estruturais, institucionais e de
enquadramento legislativo ou do funcionamento das instituições de crédito e
sociedades financeiras que tenham facilitado ou permitido as irregularidades
reveladas;
4) A forma como, em concreto, o Banco de Portugal cumpriu plenamente com os seus
deveres legais de supervisão em relação ao Banco de Português de Negócios entre
2001 e 2008;
5) Aferir das responsabilidades, por acção ou omissão, do Banco de Portugal e dos seus
dirigentes no desempenho dos seus deveres estatutários;
6) Se há legislação em vigor sobre incompatibilidades e impedimentos de titulares e
ex-titulares de cargos políticos e de cargos públicos, lacunas ou deficiências de
regulamentação ilustradas à luz das ocorrências no caso BPN.’’
Do exposto fica claro que o fim explícito, alcançado ou não, da Comissão Parlamentar de Inquérito, era o apuramento de irregularidades na intervenção do supervisor, o Banco de Portugal, e não na acção e administração do BPN. O CDS, autor da iniciativa, tinha como alvo Vítor Constâncio e o Banco de Portugal, uma clara desfocagem, aparentemente, da matéria BPN.
‘’Em 20 de Janeiro de 2009, o Senhor Procurador-Geral da República, nos termos e para
os efeitos do disposto no nº 3 do artigo 5º da Lei nº 5/93, de 1 de Março, na redacção
dada pela Lei nº 126/97, de 10 de Dezembro, informou o Senhor Presidente da
Assembleia da República de que relativamente ao Banco Português de Negócios,
corriam, no Departamento Central de Investigação e Acção Penal, quatro processos:
dois resultantes de factualidade apurada em processo mais vasto conhecido por
“Operação Furacão”; um resultante de queixa apresentada pelo Senhor Governador do
Banco de Portugal e entregue na Procuradoria-Geral da República em 29.08.2008; um
outro resultante de queixa apresentada pela Sociedade Lusa de Negócios.
Mais informou, no que aos dois últimos processos respeita, que “as investigações
procuram averiguar vários ilícitos penais, encontrando-se os mesmos numa fase inicial
e em segredo de justiça”.
(…)
Na sequência da informação supra, o Senhor Presidente da Assembleia da República,
solicitou à Comissão a emissão de parecer com vista a habilitar o Parlamento a tomar a
devida deliberação sobre a suspensão ou não do processo de inquérito parlamentar
então em curso.
Com base em parecer para tanto elaborado, foi entendimento unânime dos membros
da Comissão não se vislumbrarem razões, de facto e de direito, que justificassem a
suspensão do inquérito. Na sequência da informação supra, o Senhor Presidente da Assembleia da República,
solicitou à Comissão a emissão de parecer com vista a habilitar o Parlamento a tomar a
devida deliberação sobre a suspensão ou não do processo de inquérito parlamentar
então em curso.
Com base em parecer para tanto elaborado, foi entendimento unânime dos membros
da Comissão não se vislumbrarem razões, de facto e de direito, que justificassem a
suspensão do inquérito.’’
‘’ C – Segredo de justiça e segredo profissional (sigilo bancário e sigilo de supervisão)
A 20 de Janeiro de 2009, já no decurso dos trabalhos da CINBPN, veio o Senhor
Procurador da República, em resposta à comunicação do Senhor Presidente da
Assembleia da República, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Regime
Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, informar a Assembleia da República (AR) que
relativamente ao Banco Português de Negócios corriam, no Departamento de Investigação e Acção Penal, quatro processos, sendo que, para o caso em apreço dois
desses processos resultantes de queixa do Senhor Governador do Banco de Portugal e
da Sociedade Lusa de Negócios se encontravam ainda num fase inicial e em segredo de
justiça.
(…)
No decurso dos trabalhos desenvolvidos por esta Comissão e atendendo ao objecto da
mesma, plasmado na Resolução n.º 65/2008, afigurou-se essencial solicitar
informações e documentos a diferentes entidades, tendo deliberado remeter ofício a
cada uma das entidades em causa, com a discriminação da informação /
documentação necessária.
‘’Perante o comportamento do Banco de Portugal, a Comissão reflectiu sobre qual o
procedimento a adoptar, nomeadamente quanto ao recurso ao Tribunal da Relação de
Lisboa para ordenar ao Banco de Portugal a remessa da documentação com quebra de
sigilo bancário.
(…)
A Comissão de Inquérito poderia ter usado até ao fim todas as vias possíveis para
obrigar o Banco de Portugal a abandonar a sua postura não colaborante.
Designadamente, podia a Comissão de Inquérito ter requerido ao Tribunal da Relação
o levantamento do sigilo invocado pelo Banco de Portugal, tal como indicia a
jurisprudência conhecida até ao momento (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
195/94, de 1 de Março – in Acórdão do TC, 27.º Volume, Lisboa, 1994 -; Acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2008, publicado no DR I Série, de 31 de Março de
2008; e Pareceres da Procuradoria Geral da República n.º 56/94 e n.º 38/95 – in
Pareceres da Procuradoria Geral da República, Volume VI, Lisboa, 1997).
Jurisprudência que é no fundamental invocada nos próprios pareceres jurídicos
remetidos pelo Banco de Portugal e pelo Banco Português de Negócios para sustentar
e manter a rejeição ao acesso à documentação solicitada pela Comissão de Inquérito.
Não foi esse o entendimento maioritário da Comissão, não obstante esta proposta de
metodologia, apresentada pelo Deputado Honório Novo (PCP), ter sido apoiada por
todos os representantes partidários com excepção dos pertencentes ao Partido
Socialista.’’
Face ao exposto deduz-se também, sem margem para qualquer dúvida, que, no que respeita aos fins enunciados, à Comissão Parlamentar de Inquérito estava vedado o acesso aos meios elementares para prosseguir com êxito os seus fins.
Há pois que interrogar, com idoneidade e rigor, que sentido atribuir, no quadro do que estava em causa, ao prosseguimento da diligência parlamentar, com todos os custos e meios requisitados e disponibilizados.
Publicamente, o que se sabe acerca das matérias pressupostamente investigadas e ponderadas pela Comissão Parlamentar? Sabe-se aquilo a que, com as limitações pressupostas e aceites, a Comissão Parlamentar pôde ter acesso, no fundamental, a análise descritiva e o relato transmitido pelos diversos agentes intervenientes nos episódios. A restante matéria era investigada pela Procuradoria Geral da República e permanece em ‘’segredo de justiça’’, sendo todavia publicitada pela comunicação social.
O que temos que concluir é que a Comissão Parlamentar de Inquérito foi o meio e dispositivo de que o regime usou para transmitir publicamente a matéria de acordo com os ‘’interesses do Estado’’. Alguns anos depois seríamos esclarecidos sobre o significado desta ‘’figura’’ retórica, quando Passos Coelho invocou o ‘’interesse de Estado’’ para sonegar à Comissão Parlamentar de Inquérito informação sobre os SWAP.
Sem querermos generalizar, diremos mesmo que, na sua generalidade, as comissões parlamentares de inquérito são um protocolo de Estado e de regime, no quadro das quais se formula a verdade que o Estado e o regime podem ou devem transmitir, sem violar o ‘’segredo de justiça’’ nem o superior ‘’interesse do Estado’’.
Leio pela vigésima vez, talvez, este relatório. Sempre convicto de que as diligências da Comissão Parlamentar de Inquérito não serviram senão para transmitir uma versão do episódio.
O caso BPN foi, no essencial, uma tentativa continuada e mal sucedida de a SLN e dos seus administradores corrigirem os excessos e os procedimentos recalcitrantes e irregulares de Oliveira e Costa. Todas as intervenções recolhidas pela Comissão Parlamentar reforçam e consolidam esta imagem, transmitindo mesmo a ideia de que a SLN cumpria, na ausência de medidas diligentes do Banco de Portugal, o papel de supervisor, tentando corrigir Oliveira e Costa.
O que podemos ler no relatório é, na generalidade, uma despenalização da SLN.
Por ingenuidade ou intenção, que todos acabaram por partilhar, esta foi a estratégia e o alcance da Comissão Parlamentar de Inquérito. Laborar a ‘’informação’’ a divulgar pela comunicação social’’ em acrescento às matérias em ‘’segredo de justiça’’.
Vamos então dissecar este relatório, para o que teremos que embrulhar em todas as incongruências da sucessão dos relatos. Mas registamos já este detalhe das conclusões, que é deveras insólito.
‘’O segundo plano do Dr. Miguel Cadilhe, conhecido por 23/X/2008, pedia a
participação do Estado através de acções preferenciais sem voto, no
montante de 600 milhões de euros, e a garantia, também do Estado, para
um financiamento de 500 milhões de euros. Este plano foi recusado pelo
Governo, apoiado no parecer negativo do BdP, fundamentalmente pelas
seguintes razões:
i) tratava-se de uma participação social no valor de 600 milhões
de euros, sem direito a voto;
ii) a remuneração proposta para essas acções preferenciais, de
cerca de 5,2% (taxa média de juro da dívida pública mais um
ponto percentual), era muito abaixo da exigência, a nível
comunitário, que impõe uma remuneração de 8% a 10% para as
ajudas de Estado na recapitalização dos bancos;
iii) previa um período de carência de três anos para a
remuneração dos capitais do Estado;
iv) o plano de negócios apresentados pressupunha um
crescimento do crédito a uma taxa 13,7% até 2013 e um
crescimento do activo da ordem dos 10%. Ora, não é provável
que algum banco em Portugal consiga, nos próximos anos,
apresentar essas taxas de crescimento do crédito e o BPN em
213
particular. A situação seria ainda mais irrealista quando tais
previsões pretendiam antever a evolução do crédito do BPN. O
irrealismo das previsões poria em causa, necessariamente, a
remuneração, já insuficiente, dos capitais;
v) havia ainda a expectativa de que o envolvimento do Estado
fosse superior aos 600 milhões de euros propostos, à medida
que fossem sendo reveladas maiores imparidades – seriam hoje,
estima-se, 1.500 milhões de euros;
vi) o Parlamento Europeu impõe que o máximo de acções
preferenciais que um banco pode ter é 35% dos fundos próprios.
Os 600 milhões de euros em acções preferenciais não
respeitavam este rácio.
(…)
A Caixa Geral de Depósitos também se apresentou como interessada na
compra do BPN, mas esta proposta foi liminarmente recusada pela
Administração da SLN presidida pelo Dr. Miguel Cadilhe.’’
Ficamos a saber que a Caixa Geral de Depósitos pretendia adquirir o BPN. Como isso não lhe foi possível, nacionalizou-o?
Seria a única conclusão de préstimo do relatório da Comissão. É notável!
Mas, sem dúvida, este passo das conclusões não indicia algo de semelhante ao que se passa com a capitalização do BANIF, incluído o valor em causa?