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Os portugueses foram hoje surpreendidos por estranhas considerações de Ângelo Correia, em entrevista ao Jornal I.

O maestro raramente visível da conjura nacional vem sugerir, com artificiosos argumentos, que o Parlamento deveria decretar o Estado de Emergência.


Ângelo Correia, que foi Ministro da Administração Interna de Francisco Balsemão, de 1981 a 1983, pertence àquele círculo de políticos que viveram sempre com a Constituição atravessada na garganta, na ânsia da ‘’revanche’’. Perjuro, jurou-lhe fidelidade talvez fazendo-lhe figas.


Não conhece, sequer, o texto constitucional a ponto de compreender a figura de ignorante que faz quando sugere ao Parlamento que decrete o Estado de Emergência, que não compete ao Parlamento decretar, mas sim ao Presidente da República, mediante acordo, tácito ou expresso, o texto constitucional é aí ambíguo, do Governo e da Comissão Permanente da Assembleia da República. Mas nunca com o pretexto sugerido por Ângelo Correia, as condições e os motivos para o decreto do Estado de Emergência também estão previstos na Constituição.


Um deles é, nem mais nem menos, a iminência de desordem constitucional. Seria pois o caso de o Presidente da República, face às ameaças do Governo de romper com a ordem institucional e constitucional, demitir o Governo e decretar o Estado de Emergência.


A não ser que Ângelo Correia pretenda que o Estado de Emergência seja decretado à margem da Constituição. Mas, para tal, não necessitaria da iniciativa do Parlamento. Qualquer cidadão, incluindo Ângelo Correia, pode decretar o estado de emergência à margem da Constituição, desde que consiga a adesão da Polícia e das Forças Armadas.


O Estado de Emergência é um ‘’tique’’ que Ângelo Correia traz do tempo em que foi MAI.


Mas a verdade é que o Governo, que alega a sua legitimidade no facto de ter sido eleito ao abrigo da Constituição, também vai sugerindo, dissimuladamente, o estado de emergência e a ordem anti-constitucional. Para iludir a verdadeira natureza das suas propostas e intenções, faz de contas que se trata de uma questão académica de interpretação, tentando desviar as atenções para o Tribunal Constitucional, que, no quadro constitucional é a sede legítima de última instância de interpretação da Constituição.

 

Na verdade, o que se passa em Portugal é que o Governo, invocando supostas exigências da troika e dos ‘’investidores’’, já governa en ‘’estado de emegência’’ ou de ‘’fartar vilanagem’’, com a cumplicidade do Presidente da República que aceitou a ordem anti-constitucional e não tem a hombridade de decretar formalmente o Estado de Emergência.

 

Mas, afinal o que se passa para que o Governo tenha mergulhado nas trevas da ordem anti-constitucional?


Para lá de ser um alcance sempre almejado de um dado círculo político revanchista, o Governo alega que os ´´investidores’’ assim o impõem. Mas que investidores?

A narrativa da crise e das medidas de austeridade que os ‘’investidores’’ e a troika impuseram para a superar fundamenta-se num arrazoado de argumentos e pressupostos sórdidos.


Todos já entendemos que a maioria das despesas do Estado rubricadas nos dois últimos Orçamentos respeitam aos encargos assumidos com o passivo do BPN e com a recapitalização dos bancos. Todos sabemos também que os bancos, tomando o pretexto da crise, suspenderam praticamente o crédito aos portugueses e o orientaram para os ‘’investidores’’. São mais um dispositivo, para lá do proteccionismo do Estado, ao serviço dos ‘’investidores’’ que são a única alternativa, no futuro, para debelar o flagelo do desemprego e da astenia económica.


Mas nós também sabemos a que tipo de ‘’investimento’’ se dedicam e continuam a dedicar os ‘’investidores’’ de que o Governo fala e que falam em coro com o Governo e com a troika.

Era aquele tipo de investimento a que se dedicava o BPN e a SLN nos tempos áureos do ‘’crescimento económico’’. Tratava-se de mobilizar créditos para comprar capital financeiro, posições em empresas que viviam, quase exclusivamente de jogar no mercado com baixas e altas de cotações. Era assim que se ganhava dinheiro.


As componentes produtivas ou as empresas com vocação produtiva iam falindo, num processo de demolição implosiva imparável, mas as empresas financeiras proliferavam.


Sabemos também quem está a adquirir os títulos da dívida soberana que o Estado lança trimestralmente no mercado. Sabemos quem são esses ‘’investidores’’.


A PARVALOREM teve agora o descaramento de apresentar uma queixa-crime contra a antiga administração da CGD/BPN. É curioso, parece que o Estado entendeu que teria que fazer algo adicional para desviar as atenções da maneira como o Estado está a usar, como almofada demagógica para a crise, o ‘’caso BPN’’.

 

O ‘’caso BPN’’ é um episódio posterior à nacionalização, todos já entendemos isso. É sobretudo um episódio da governação da coligação, que transformou o ‘’caso BPN’’ num dispositivo incalculável de sangria do Estado. Se não houvesse outra prova disso, bastava-nos a impunidade da SLN.


A SLN, que alojou a maioria dos créditos dolosos concedidos pelo BPN, continua a sua marcha gloriosa e todos os outros são criminosos, incluindo os portugueses pobres e remediados porque viveram acima das suas possibilidades?

 

Enquanto esta argumentação torpe do Governo, da troika e dos investidores não for desmantelada, vivemos em estado de emergência, em desordem anti-constitucional.

Não é necessário que o Parlamento a decrete. O Senhor, Ângelo Correia, e os seus sócios já o decretaram. Com a cumplicidade do Presidente da República.

 

CONSTITUIÇÂO DA REPÙBLICA PORTUGUESA

 

‘’Artigo 19.º

(Suspensão do exercício de direitos)

  1. Os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de Sítio ou de estado de emergência, declarados na forma prevista na Constituição.
  2. O estado de Sítio ou o estado de emergência só podem ser declarados, no todo ou em parte do território nacional, nos casos de agressão efectiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública.
  3. O estado de emergência é declarado quando os pressupostos referidos no número anterior se revistam de menor gravidade e apenas pode determinar a suspensão de alguns dos direitos, liberdades e garantias susceptíveis de serem suspensos.
  4. A opção pelo estado de Sítio ou pelo estado de emergência, bem como as respectivas declaração e execução, devem respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se, nomeadamente quanto às suas extensão e duração e aos meios utilizados, ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional.
  5. A declaração do estado de Sítio ou do estado de emergência é adequadamente fundamentada e contém a especificação dos direitos, liberdades e garantias cujo exercício fica suspenso, não podendo o estado declarado ter duração superior a quinze dias, ou à duração fixada por lei quando em consequência de declaração de guerra, sem prejuízo de eventuais renovações, com salvaguarda dos mesmos limites.
  6. A declaração do estado de Sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afectar os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroactividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião.
  7. A declaração do estado de Sítio ou do estado de emergência só pode alterar a normalidade constitucional nos termos previstos na Constituição e na lei, não podendo nomeadamente afectar a aplicação das regras constitucionais relativas à competência e ao funcionamento dos órgãos de soberania e de governo próprio das regiões autónomas ou os direitos e imunidades dos respectivos titulares.
  8. A declaração do estado de Sítio ou do estado de emergência confere às autoridades competência para tomarem as providências necessárias e adequadas ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional.

(…)

 

 Artigo 134.º

(Competência para prática de actos próprios)

Compete ao Presidente da República, na prática de actos próprios:

  • a) Exercer as funções de Comandante Supremo das Forças Armadas;
  • b) Promulgar e mandar publicar as leis, os decretos-leis e os decretos regulamentares, assinar as resoluções da Assembleia da República que aprovem acordos internacionais e os restantes decretos do Governo;
  • c) Submeter a referendo questões de relevante interesse nacional, nos termos do artigo 115.º, e as referidas no n.º 2 do artigo 232.º e no n.º 3 do artigo 256.º;
  • d) Declarar o estado de Sítio ou o estado de emergência, observado o disposto nos artigos 19.º e 138.º;
  • e) Pronunciar-se sobre todas as emergências graves para a vida da República;
  • f) Indultar e comutar penas, ouvido o Governo;
  • g) Requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de normas constantes de leis, decretos-leis e convenções internacionais;
  • h) Requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade de normas jurídicas, bem como a verificação de inconstitucionalidade por omissão;
  • i) Conferir condecorações, nos termos da lei, e exercer a função de grão-mestre das ordens honoríficas portuguesas.   

(…) 

Artigo 138.º

(Declaração do estado de Sítio ou do estado de emergência)

  1. A declaração do estado de Sítio ou do estado de emergência depende de audição do Governo e de autorização da Assembleia da República ou, quando esta não estiver reunida nem for possível a sua reunião imediata, da respectiva Comissão Permanente.
  2. A declaração do estado de Sítio ou do estado de emergência, quando autorizada pela Comissão Permanente da Assembleia da República, terá de ser confirmada pelo Plenário logo que seja possível reuni-lo.’’


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