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Os médicos juram, de acordo com um formulário redigido há mais de dois milanos por Hipócrates. Dizem, por isso, que os médicos são hipócritas. Trata-se tão só de uma ocasional e infeliz semelhança etimológica.

Quem nunca pode ser acusado de hipocrisia são os juízes, porque não juram coisa alguma, o seu poder discricionário é emanente sem restrições nem óbices do seu sagrado nome, juízes.

Já pude constatar em alguns processos o desaparecimento de uma folha, substituída pela anotação de que foi desassociada para o processo ou anexo A, B ou C. A enunciação é sumária e não carece de prova ou confirmação, porque os juízes não mentem nem estão vinculados a juramento.

 

Que tem isto que ver com José Pinto de Sousa? Pouco, apenas a constatação do facto de que, a julgar pelo que é difundido pelo órgãos de comunicação social, a estratégia processual a que legitimamente recorreram os magistrados e investigadores intervenientes no processo contra José Sócrates foi a de, na ausência de dados objectivos e consolidados que fundamentassem as suspeitas, prender os suspeitos para recolher as provas.

A estratégia processual foi leviana e compromete, obviamente, a credibilidade futura das provas que venham a ser recolhidas, cuja validade, do ponto de vista de um observador crítico e isento, parecerá sempre que foram adequadas à sua função, na condição de que os suspeitos estavam presos e não podiam ‘’perturbar’’ a sua recolha.

Vou, nesta nota, abordar sinteticamente estas três questões.

 

Primeira.

 

Que objectivo processual pode servir a prisão preventiva de um ex primeiro ministro, na base das meras suspeitas que têm sido difundidas, sem inibição, pela comunicação social? Nomeadamente após o que foi revelado, sem contestação, pelo Diário de Notícias no dia 13 de Dezembro, Carlos Rodrigues Lima?

 

Na narrativa que tem vindo a lume e que parece ser coordenada pelo magistrados e investigadores uma vez que a não contestam, o inquérito tinha cerca de um ano, correndo sem a perturbação por parte dos suspeitos e sem que os investigadores conseguissem consolidar suspeita alguma.

 

Sintetizando drasticamente as suspeitas, eram as seguintes. Um empresário de sucesso reunira uma fortuna pessoal de cerca de vinte milhões de Euros. Era amigo de um ex primeiro ministro, que terminou o seu mandato e foi estudar para Paris, tendo renunciado às compensações a que estamos habituados a que os ex primeiros ministros recorram, nomeadamente a nomeação para a administração de empresas públicas ou com relações muito estreitas, de diversa natureza, com o Estado e os dinheiros públicos.

 

Como era amigo e, aparentemente, tinha uma estreita relação com a família do ex primeiro ministro, entendeu, no exercício da liberdade deliberativa sobre o que era seu, ajudar o ex primeiro ministro, dando-lhe ou emprestando dinheiro, ao que tem sido revelado, no montante de uns milhares de Euros. Emprestou-lhe ainda um apartamento que recentemente adquirira enquanto não iniciava as obras de beneficiação.

O dinheiro que dava ao seu amigo era transportado pelo motorista, numa primeira versão em malas e no porta bagagens de uma viatura, na versão final em envelopes.

Os investigadores conjecturam então que os vinte milhões de Euros do amigo do ex primeiro ministro pertencem ao primeiro ministro e são o resultado de uma relação corrupta entre o ex primeiro ministro e o seu amigo.

Os investigadores insistem em difundir, através dos meios de comunicação social ou em permitir que estes continuem a difundir sem contestação que esta conjectura não se fundamenta em outros dados objectivos senão a constatação dos seguintes factos. O amigo do ex primeiro ministro possui uma fortuna de cerca de vinte milhões de Euros. O amigo do ex primeiro ministro tem dado ou emprestado regularmente ao ex primeiro ministro alguns ou muitos milhares de Euros. O primeiro ministro residiu, a título de posse precária por empréstimo, num apartamento em Paris, propriedade do seu amigo.

Foi objectivamente desta forma e com esta solidez que os investigadores e magistrados entenderam divulgar na comunicação social a matéria.

 

Na base destas conjecturas e constatando que, após cerca de um ano, pelo menos, de investigação, não conseguiam consolidar as suspeitas, os magistrados entenderam deter os suspeitos, proceder a buscas nas suas residências e aplicar-lhes a medida cautelar de coacção de prisão preventiva.

 

Importa notar que as condições em que os suspeitos recolheram a prisão preventiva suscitam, também e por si, sérias reservas e preocupações. Dois dos suspeitos residiram, por período ainda não determinado, na mesma cela nos calabouços da Polícia Judiciária, sendo todavia a responsabilidade acometida à Direcção Geral dos Serviços Prisionais. A residência de José Sócrates num estabelecimento prisional com o perfil do Estabelecimento Prisional de Évora é também susceptível de suscitar preocupações. Mas quem decidiu das condições em que o suspeito ou arguido recolhe a prisão preventiva é o Juiz de Instrução Criminal, no caso Carlos Alexandre.

 

Segunda.

 

Para que serve o segredo de justiça?

 

Do ponto de vista restrita da letra da lei, o segredo de justiça serve para proteger a investigação. Mal fora todavia que um magistrado fizesse da lei uma interpretação tão restrita, nomeadamente um Juiz de Instrução Criminal, a quem compete, também, defender os direitos de suspeitos, arguidos ou acusados.

O segredo de justiça deve também proteger os direitos dos suspeitos ou acusados ao bom nome, à dignidade e mesmo ao bem estar como garantes da presunção de inocência.

 

Fala-se muito da bravura e da coragem dos super magistrados, nomeadamente do Juiz Carlos Alexandre. Eu, por mim, vejo o Juiz Carlos Alexandre como um sujeito com a coragem de se acoitar no instituto do segredo de justiça para provocar os suspeitos, cujos direitos lhe cumpre defender, difundindo ou permitindo a difusão dos tópicos menos consolidados das suspeitas como se fossem provados.

É velhaco que o Juiz Carlos Alexandre, nas condições objectivas em que tem decorrido a devassa da matéria na comunicação social, não autorize José Sócrates ou qualquer dos outros arguidos a darem uma entrevista na comunicação, alegando que está a proteger a investigação de perturbação.

O segredo de justiça não pode ser invocado para proteger os propósitos conspirativos dos investigadores quando face a inconsistência das suas suspeitas e conjecturas temem a intervenção pública dos suspeitos.

 

Terceira.

 

O que é um super magistrado?

 

A comunicação social refere reiteradamente o Juiz Carlos Alexandre e o Procurador da República Jorge Rosário Teixeira como super magistrados. A verdade é que os super magistrados, por nunca terem tido a iniciativa de, publicamente e através dos mesmos meios, esclarecer a matéria, tornam legítimo que os considerem cúmplices dessa obscenidade. Na verdade, ao não tomarem posição clara e inequívoca, todas as instituições do sistema judicial, incluindo o Procurador Geral da República, o Ministro da Justiça, os supremos tribunais, o próprio Presidente da República, se tornam cúmplices dessa obscenidade.

Nem a Constituição da República, nem a orgânica da magistratura contemplam a figura de um super magistrado. E há que interrogar com todo o rigor o significado exacto dessa denominação, das condições objectivas em que esse estatuto pode ser informalmente requerido, dos propósitos a que dá cobertura.

É óbvio e é bom que se entenda, de uma vez por todas, que a denominação de super magistrado se destina a consagrar publicamente um estatuto de excepção que permite a um magistrado intervir no sistema judicial isento dos requisitos que a lei e o senso impõem ao resto dos magistrados. Em nome de um fim imposto pela propaganda política, todos os meios passam a ser legítimos.

Se não vivêssemos num regime hipócrita e conspirativo, a figura de super magistrado já teria sido contestada por toda a magistratura. A figura de um super magistrado é lesiva da dignidade de toda a magistratura, de todo o sistema judicial e de todas as instituições da República.

Eu, pessoalmente, como republicano e democrata, não quero a República tutelada por um super magistrado.

 

Convoco pois todos os meus correligionários, que são aqueles que contestam de forma sistemática e consequente a degradação das instituições da República, que não têm partido por não conseguirem fazer opções no universo partidário que lhes apresentam, os que se abstêm no acto eleitoral tal como a perversão do espírito da Constituição da República o impôs, para que reflictam sobre a ilusão de que a política é a política e a justiça é a justiça. Isso é mentira.

E para que exijam a imediata erradicação do estatuto, formal ou informal, de super magistrado, super juiz, super procurador ou super raio que os parta.

 

Os juízes não juram, nunca serão perjuros. Não estão sujeitos a escrutínio porque não juram e porque a justiça é a justiça e a política a política. E porque a lei que eles congeminaram lhes atribui um poder que parece emanar do céu.

 

Devemos reflectir com serenidade e isenção sobre os ‘’mecanismos’’ internos e corporativos no âmbito dos quais as carreiras dos magistrados são administradas. Porque razão um juiz é um juiz, o juiz de dada causa e instância, mas sobretudo porque razão é um super magistrado. O que vendeu um juiz, para se alçar a super magistrado? A alma?

 

Que fique então claro. Este processo para mim não é o processo José Pinto de Sousa ou o processo José Sócrates. É o processo do Carlos Alexandre e do Jorge Rosário Teixeira, que já não são cidadãos da República porque gozam do estatuto de imunidade e impunidade de super magistrados.

 

Quanto ao José Pinto de Sousa, serei solidário enquanto os super magistrados transmitirem a ideia de que atropelam, obscena e velhacamente os seus direitos de cidadão, transformando um caso aparentemente de justiça num caso obviamente de política.

 

Quanto a José Sócrates, questiono agora eu o Juiz Carlos Alexandre.

Tenhamos em consideração dois ex primeiros ministros e coloquemos nos dois pratos da balança dois vendedores da banha da cobra.

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Durão Barroso e José Sócrates. Qual dos dois terá melhores condições e mais aptidões para restituir o dinheiro que lhes foi emprestado pelos seus amigos? José Sócrates a Carlos Santos Silva ou Durão Barroso aos portugueses que traíu enquanto presidente da Comissão Europeia?

 

Por vezes, como digo, gostava de ser eu a entrevistar o Juiz Carlos Alexandre para o semanário EXPRESSO. Mesmo tendo em conta que o juiz se apresentaria acoitado sob a protecção do segredo de justiça. Gostava de fazer o teste de saber até onde o segredo pode resistir.

 

Eu sou o Manuel de Castro Nunes. E não temo os super magistrados. Nasci em 1950 e isso tem algum significado.

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