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A Procuradoria Geral da República e os meios de comunicação social.

 

Na medida em que se agravam os problemas de comunicação do sistema judicial com os cidadãos, consecutivamente perturbada pelos órgãos de comunicação social no exercício da sua legítima liberdade de distorcer e manipular, a Procuradora Geral da República tem anunciado medidas para tornar tudo mais claro e transparente e para que o cidadão possa distinguir o que é uma comunicação inequívoca da Procuradoria Geral ou do Ministério Público e o que é ‘’uma fonte próxima do processo’’, seja uma violação do segredo de justiça ou uma informação ‘’pela porta do cavalo’’.

Desta vez as coisas passaram-se do seguinte modo.

Os conselhos de administração das empresas PARVALOREM e PARUPS, respectivamente Francisco Nogueira Leite e Bruno Castro Henriques e vice versa, decidiram, ninguém sabe por que razão, emitir na Quarta Feira um comunicado ‘’anunciando que os processos interpostos tinham sido dado como extintos pelos tribunais, mas que o MP tinha recorrido “de todas as decisões que lhe foram desfavoráveis”.’’

A razão do comunicado é misteriosa, uma vez que o ‘’anunciado’’ já era publicamente conhecido. Mas, de facto, nada em todo este processo foi canónico. Mas o comunicado deve ter ido parar à ‘’régie’’ editorial da Agência Lusa, o que é um hábito louvável para evitar que os jornais costumeiros a distorçam e se apresentem como autores exclusivos da sua divulgação ‘’em primeira mão’’. ‘’O CM soube (…)’’, ‘’o SOL teve acesso ao processo (…)’’, ‘’fonte próxima do Ministério Público (…)’’.

Na posse, em primeira mão, do comunicado de Nogueira Leite e Castro Henriques, a Agência Lusa, que talvez já tivesse ouvido uns rumores de que ‘’a coisa não era bem assim’’, tentou esclarecer-se junto da Procuradoria Geral da República, que deu formalmente a seguinte explicação, que a Agência Lusa difundiu através dos restantes órgãos de comunicação.

‘’Contactado pela agência Lusa sobre as ações em curso, o gabinete de comunicação da Procuradoria-Geral da República (PGR) indicou que o MP interpôs quatro providências cautelares e duas ações principais em datas anteriores a 30 de novembro de 2014.

Uma das ações – instaurada a 24 de abril de 2014 – é de natureza “administrativa comum de condenação à prática e abstenção de comportamentos”, e pede a condenação das várias entidades envolvidas, nomeadamente o Ministério das Finanças, o secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, o diretor-geral do Património Cultural, Nuno Vassallo e Silva, as sociedades Parvalorem e Parup’s, e a leiloeira Christie’s.

De acordo com o gabinete da PGR, na ação administrativa especial – instaurada a 27 de novembro de 2014 -, o MP pede a impugnação “dos despachos de arquivamento dos procedimentos de classificação proferidos pelo Diretor-Geral do Património cultural, sendo contra-interessados Parvalorem e Parup’s,SA e a leiloeira Christie’s”.

Ainda relativamente à ação administrativa comum, concretamente, o MP pede “a condenação do Ministério das Finanças e do secretário de Estado da Cultura a, no exercício dos poderes de tutela e superintendência, determinar que não sejam executadas as anunciadas decisões de colocação no mercado externo das obras de Miró enquanto não se encontrar observada a decisão do procedimento de inventariação e classificação”.

É também pedida “a condenação do Diretor-Geral do Património Cultural a assegurar e coordenar a instrução dos procedimentos administrativos de inventariação e classificação; a condenação da Parvalorem e Parup’s,SA a absterem-se de colocar no mercado externo as obras de arte enquanto não for tomada a decisão no procedimento de inventariação e classificação; a condenação da Christie’s a abster-se de colocar no mercado as obras de arte enquanto não se mostrar concluído o procedimento de inventariação e classificação”, segundo a ação.’’

Observador, 9 de Abril de 2015.

Vejamos então. A explicação avançada pelo Gabinete de Comunicação da Procuradoria Geral da República destina-se exclusivamente a esclarecer Nogueira Leite e Castro Henriques de que não se limitou a ‘’recorrer’’ das decisões que lhe haviam sido desfavoráveis. Estão em causa quatro providências cautelares e duas ‘’acções principais’’ no âmbito das quais se pede a condenação do Director Geral do Património Cultural, entre outros, ‘’à prática de abstenção de comportamentos’’, uma medida penal sem dúvida inovadora que o Juiz Carlos Alexandre devia desconhecer quando condenou José Sócrates a prisão preventiva.

Mas o facto é que a eficácia destas acções, as ‘’principais’’ e as secundárias, pode cair logo por terra face aos resultados de uma outra diligência requerida à Procuradora Geral da República.

No dia 20 de Outubro de 2014, eu requeri à Excelentíssima Senhora Procuradora Geral da República a abertura de um procedimento de investigação com vista a apurar o paradeiro das oitenta e cinco obras alegadamente em propriedade do BPN/PARVALOREM. A Procuradora Geral da República respondeu-me, em 11 de Novembro de 2014 e através da Chefe do seu Gabinete, que remetera o meu requerimento para o DIAP de Lisboa, onde passou ‘’correr termos’’.

Ora, não me parece que o Ministério Público ou a PGR possam condenar os citados a absterem-se do comportamento de recusa de procedimento de inventário antes de apurado o paradeiro das obras, condição indispensável à realização de qualquer inventário, a não ser que o inventário a realizar pela Direcção Geral do Património Cultural reproduzisse o catálogo editado pela Christie’s em Novembro de 2014.

Até quando prosseguirá esta comédia de fingir que a PARVALOREM, o Nogueira Leite e o Bruno Castro Henriques têm à sua guarda oitenta e cinco obras de Miró num cofre da Caixa Geral de Depósitos e não admitir coisas tão simples como esta? Por incompetência, por associação de interesses e por outras razões, a PARVALOREM e a PARUPS não são incontestáveis proprietárias de oitenta e cinco obras de Miró. São desconhecidos termos e cláusulas do contrato assinado entre a Christie’s e a PARVALOREM, acerca dos quais o todo poderoso Nogueira Leite invoca sigilo e confidencialidade, mas cuja divulgação pública talvez permitisse compreendermos as razões por que as obras de Miró não estão nem nunca estiveram em Portugal.

E esta questão coloca-nos perante outra, bem mais grave. Que raio de entidade é essa, a PARVALOREM, uma empresa constituída integralmente com financiamento público e emissora de, pelo menos, quatro mil milhões de Euros em papel comercial garantido pela República Portuguesa, que goza do estatuto de entidade privada para não responder nem ser rigorosamente escrutinada pela sociedade e pelo Ministério das Finanças? De onde vem o poder incontestado de Francisco Nogueira Leite e de Bruno Castro Henriques?

A partir de hoje, caso se venha a constatar que as oitenta e cinco obras de Miró não estão em Portugal e, por isso, não se possa proceder ao seu inventário pelas autoridades competentes, todos os citados no comunicado da Procuradora Geral da República são suspeitos de cumplicidade na ocultação de um facto prévio à eficácia da condenação proposta pela PGR, o desconhecimento do paredeiro das obras.

 

NOTA: Insisto em que deve ser com toda a urgência revista a denominação ‘’Departamento de Investigação e Acção Penal’’ para desmantelar ambiguidades e presunções. Ao Ministério Público competem acções de investigação e preventivas, que nunca se poderão considerar penais, porque a aplicação ou decreto das penas, no sistema jurídico português, compete aos tribunais, após acusação e proposta de medidas penais pelo Ministério Público

No âmbito de uma investigação pode e deve o MP acusar e propor a quem de direito a pena ou penas. Mas está-lhe vedada a ‘’acção penal’’.

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Miro1

 

 

 
 

 

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