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Inicio uma abordagem ao tema específico e delimitado da aquisição de uma ‘’colecção egípcia’’ pelo BPN, vou continuar a referir uma ‘’colecção egípcia’’ até que possa ter conduzido o leitor à percepção clara de que não era egípcia, insistindo em que o faço carreando nomes e episódios apenas quando for indispensável.

 

É sabido que eu acompanhei o processo de venda da ‘’colecção egípcia’’ ao BPN porque preparei o dossier ‘’técnico’’ de apresentação da colecção e dos artefactos que a constituíam, a pedido do seu proprietário.

Ao longo desta narrativa, compreender-se-á porque razão o proprietário da ‘’colecção egípcia’’ me solicitou a mim que o fizesse e não a outro.

 

Para lá de preparar o dossier de apresentação da colecção e dos artefactos, eu era também, talvez, o mais interessado em que o BPN, ou qualquer outra entidade com capacidade para a receber, adquirisse a ‘’colecção egípcia’’. Por isso, como sempre foi divulgado e com precisão, cheguei a apresentá-la a José Berardo, que lamento que não a tivesse adquirido.

 

Mas o certo é que Oliveira e Costa, não sei porquê nem como, tal não me diz respeito, apareceu subitamente como comprador da ‘’colecção egípcia’’, oferecendo a Joaquim Pessoa um valor que excedia, significativamente, aquele que estava em referência com José Berardo. José Berardo tem uma vida muito buliçosa, estava na altura ausente no Canadá, aguardava-se o seu regresso em data incerta e o Oliveira e Costa apareceu.

 

José Berardo manifestou-me depois, pessoalmente a sua decepção, mas o que é verdade é que Oliveira e Costa deve ter sabido de um certo ‘’tesouro’’ por José Berardo. Seja, foi comprar a ‘’colecção egípcia’’ nas costas do amigo.

 

Recordo-me de ter comentado com José Berardo quando me manifestou a sua decepção: ‘’Os senhores parecem dois arqueólogos.’’

 

Devo também desde já referir que o que atrasou o processo de decisão de José Berardo foi a insistência dele em levar a Paris meia dúzia de peças para serem analisadas no Louvre. Ao que eu, por óbvias razões, me opus, propondo mesmo que todas as análises e testes que poderiam ser feitas em França poderiam ser feitas cá. José Berardo poderia depois sujeitá-las a parecer de quem entendesse. Sendo preferível que os técnicos ou especialistas que desejasse consultar se deslocassem a Lisboa. É mais fácil deslocar um sábio do que um bem cultural e artístico e ainda bem.

 

Por determinação minha, ou condição, os artefactos não sairiam de Portugal. Era, de resto, a razão porque intervinha no assunto, como adiante entenderão.

 

Vamos saltar um pouco para a frente.

 

Oliveira e Costa havia adquirido, através de um procedimento insólito, que denominava ‘’engenharia financeira’’ e que consistia em conceder um crédito ao vendedor com hipoteca sobre os bens a vender acompanhado de uma contrato de promessa de compra no prazo de dois anos, uma ‘’colecção egípcia’’.

 

No contrato de compra estabelecia-se que Oliveira e Costa poderia denunciar o contrato de promessa de compra se, durante o primeiro ano da sua vigência, não pudesse ser alegado que os artefactos da colecção não estavam em concordância com o que era proposto na sua caracterização técnica.

Devo declarar, como testemunho pessoal, que não sei se essa alínea do articulado capcioso do contrato foi sugerida pelo vendedor ou pelo comprador, mas,conhecendo-os já bem aos dois, estou convicto de que foi sugerida pelo vendedor.

 

O facto é que veio a servir os fins do comprador.

 

Vou então narrar, com a brevidade possível, o episódio em que entronca tudo o que depois correu com a ‘’colecção egípcia’’.

 

Uma manhã do Outono de 2005 recebi um telefonema da parte de Oliveira e Costa, que me pedia uma reunião para essa tarde.

Chegado à reunião, com a presença de Oliveira e Costa e Francisco Sanches, mostraram-me a impressão de um mail. O mail vinha acompanhado por uma foto de uma máscara em ouro, reencaminhada de outro endereço, com a alegação de que o BPN devia ter cautela, porque estava a adquirir uma colecção que integrava máscaras daquela tipologia.

E a máscara constante da foto fora apreendida pela polícia turca e procedia do Iraque, a bem dizer do Museu de Bagdad. O autor da mensagem original nomeava-se a si próprio como António Silva, estava em campanha no Algarve, deduzia-se ou fazia deduzir, Anton para os amigos. O mail era reencaminhado de Cabo Verde, do endereço de Vaz de Mascarenhas.

 

Eu encarei o assunto com cara ‘’de caso’’, franzi o sobrolho, observei a foto de todos os ângulos. Após o que comentei:

 

- É de facto surpreendente. Vou ficar com esta cópia. O Sr. Dr. dá-me autorização para interpelar o sujeito que enviou este mail durante este fim de semana e na Segunda Feira estarei aqui a esta hora?

 

Durante todo o fim de semana interpelei o autor do mail, que, no Sábado de tarde descobriu o meu número de telefone, para o qual passou a ligar de número não identificado.

 

Na Segunda Feira, compareci de novo na sede do BPN. Para comunicar a Oliveira e Costa e Francisco Sanches o seguinte:

 

- Esta foto é uma montagem realizada a partir de fotografias de várias máscaras que foram adquiridas há cerca de um ano por um coleccionador e fui eu que as lancei em inventário. Estão aqui as respectivas fotos. É óbvio.

O Sr. António Silva é de facto, estou convicto, arqueólogo, com importantes responsabilidades na tutela.

Suponhamos que ele tinha razão, que essa máscara tinha sido apreendida na Turquia. Só terá que explicar porque razão saíu da esfera de jurisdição da polícia turca e apareceu, fragmentada em três, em Portugal. Nas mãos do Sr. António Silva.

 

Oliveira e Costa não conseguiu responder. Francisco Sanches desvalorizou o incidente, não era para dar importância. E eu rematei:

 

- Mas, Sr. Dr., fez algum mal aos seus sócios cabo verdeanos? Foram eles que lhe reenviaram esse mail.

 

Terminada a reunião, solicitei ao vendedor da ‘’colecção egípcia’’ autorização para comunicar ao BPN que queria a colecção à minha disposição para realizar os exames complementares que entendesse necessário. E transmiti às autoridades cópia do mail em referência.

 

E, não sei bem porquê, surgiu-me uma interrogação que também, repetidamente, transmiti às autoridades. Que associação poderia haver entre o Banco Insular ou o BPN Cayman e a empresa Arqueonautas. E propus que se lessem de forma analítica os contratos e convénios entre a Arqueonautas e o estado de Cabo Verde.

 

Ora, a interpelação do Sr. António Silva partia do pressuposto de que os artefactos que constituíam a ‘’colecção egípcia’’ eram autênticos. Subitamente, iria tornar-se no pretexto do BPN para alegar que eram falsos.

 

Este episódio consolidou, como é óbvio, a minha convicção de que estava no bom caminho. E só havia que ter a intuição para desvendar se os arqueólogos andavam a disseminar peças falsas ou autênticas. E eu sou muito curioso. Mais curioso do que qualquer ‘’outro’’ arqueólogo, estou convicto.

 

É por isso que me interrogo:

 

Há mais de quatro anos que uma procuradora anunciou que solicitara um parecer a três arqueólogos acerca da genuinidade da ‘’colecção egípcia’’.

 

O parecer ainda não está concluído. Se estivesse seria de esperar que eu o conhecesse. O ‘’segredo de justiça’’ não pode chegar a tanto.

Mas eu conheço muito bem os senhores arqueólogos e sei muito bem o que eles dizem nas costas uns dos outros. Que nunca se confirma em presença.

Estou certo de que é o que se passa com este testemunho.

 

Alguns amigos comentam comigo: ‘’mas ninguém te responde?’’

 

Eu respondo: ‘’Respondem pelas costas. Esperavas o quê?’’

 

 

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