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Parecer imaginário que, na falta do original, emitiu MCN em nome de dois arqueólogos encarregues de decidirem se uma ''colecção egípcia'' vendida ao BPN era falsa ou verdadeira


‘’Relatório e testemunho acerca da genuinidade de uma colecção de objectos arqueológicos, alegadamente egípcios ou incas, a maioria em ouro, vendida ao Banco Português de Negócios.

 

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito, Estimados Colegas, Minhas Senhoras e Meus Senhores.

 

Recebendo por árduo encargo, os dois, Carlos Jorge Gonçalves Soares Fabião e Jorge Manuel Pestana Forte de Oliveira, já identificados nos autos, emitir parecer acerca da alegada genuinidade da colecção supra referida, dando por nossa honra fé de que a examinámos com todo o rigor, supostamente, para o efeito, na sede do Banco Português de Negócios, pessoa colectiva igualmente identificada nos autos na pessoa do Dr. José de Oliveira e Costa, devemos manifestar, surpreendidos, que nunca nos foi dado, na nossa carreira e prática de anos, examinar nada de semelhante.

Pelo que solicitamos desde já a atenção e compreensão de Vossas Excelências, para o facto de o nosso parecer ser dado por aproximação e alvitre.

Ora, para que Vossa Excelência, Senhor Doutor Juiz, possa avaliar quão penoso foi para nós lavrarmos este parecer, nada melhor do que transcrever, extracto das actas, a conversa com que demos início à nossa observação.

 

Jorge Oliveira:

 

- Bem… Carlos… Não sei o que te diga… Sendo certo que esta tralha nem é egípcia nem inca, deveríamos dar-lhe um nome…

 

- Falso! É tudo falso! Que nome queres dar a isto?

 

- Bem… Talvez ler o relatório. Que raio de nome deu ele a isto?

 

- Quero lá saber! Esse gajo é um anormal!

 

- Calma, Carlos. Tens a certeza de que ninguém vai ler isto? Eu, por mim, não estou interessado em levar umas chapadas. O gajo ferve em pouca água.

 

- Pois, também é verdade… Mas temos que dizer que isto é tudo falso, não temos? Não é preciso dar-lhe um nome. Falso basta. E o gajo não vai ler isto.

 

- Espero bem. Tens a certeza? Mas olha que ele conhece-nos bem, mesmo sem ler vai imaginar…

 

- Também tens razão… Vamos lá ler o relatório. Lês tu ou leio eu. Eu até estou engasgado. Cretino! Filho do papá!!!

 

- Calma aí também. Por aí é melhor não irmos… Filhos do papá dele somos nós.

Está pois Vossa Excelência a ver como o assunto é melindroso? Ora, atente Vossa Excelência na sequência desta narrativa. Continuamos a extrair da acta.

 

Foi então que um jornalista, que espreitava por detrás da porta, falou. E até nos assustámos:

 

Licínio Lima:

 

- Ele diz para estarem à vontade. Podem chamar-lhe os nomes que quiserem, mas que está mesmo desejoso de que os senhores consigam rebatê-lo. Porque também não gostou de admitir que tudo isso fosse autêntico. Posso dizer mais?

 

Carlos:

 

- O senhor não devia estar aí. Isto é confidencial.

 

- Esteja à vontade, Senhor Professor - vénia - eu estou obrigado a segredo de justiça.

 

- Ah! Bom! Diga então.

 

- Eu não sei se vou transmitir bem. Acho o gajo, como os senhores dizem, muito retorcido. Mas o que ele disse foi para os senhores terem em atenção o seguinte.

 

- Diga, homem, desembuche.

 

- Ele diz que leu e vem lendo de há muito tempo milhares de páginas sobre ourivesaria antiga, sobre procedimentos oficinais e outras trapalhadas. Leu também todos os trabalhos dos senhores professores.

Ora, diz ele, assim sendo, já imaginava o que os senhores professores vão alegar. Escreveu portanto todo o relatório dele a rebater o que os senhores iriam alegar. Mais, deixou uns assuntos em suspenso, para vir com eles depois de os senhores professores concluírem este parecer.

Mas diz, por exemplo… Espere… deixe-me consultar as notas…

Diz que se os senhores professores optarem por alegar que isto são cópias, réplicas ou falsos feitos no Oriente, por exemplo no Afeganistão ou no Irão, com ouro preparado e enviado daqui, os senhores professores vão ter muita dificuldade em assegurar que nessas zonas, ou em qualquer outra, prevaleça a tradição do trabalho do ouro em forja, da aglutinação e da laminação de pepitas. A não ser que algum desses novos arqueólogos experimentais tenha desenvolvido a produção oficinal segundo esses procedimentos. Lá vai a coisa sempre parar aos arqueólogos. Sendo falso ou sendo verdadeiro, é arqueologia. Citei.

Disse mais:

- A Ambruster, por exemplo (conhecem? Eu não), fez muito trabalho de levantamento, no Oriente e em África, junto de artesão tradicionais, sendo notável a precisão e rigor com que continuam a produzir o granulado e o insuflado, enfim, a filigrana. Mas não há, na bibliografia disponível, qualquer referência ao trabalho, na actualidade, em forja, por aglutinação directa de pepitas a malho quente.’’

Continuando:

- Para explorarem a hipótese mesmo que remota de isso ser inca, ou azeteca, recomenda a leitura de José Luis Ruvalcaba e outros (2009) ‘’Technological and material features of the gold work of Mesoamerica’’, ARCHÉOSCIENCES, 33.

Para lerem com atenção os trabalhos da Professora Filomena Guerra. Os essenciais de Ambruster.’’ Sem esquecer que a Professora Filomena Guerra era a perita a quem o José Berardo pretendia levar uns objectos para serem analisados em Paris, pelo que é de supor que a Professora Filomena Guerra conheça esta colecção. Pelo que será também de ler alguns trabalhos dela.

 

- Basta! Que seca! De arqueologia sei eu, certo?

 

- Ele também respondeu a isso.

 

- O quê?

 

- Sim. ‘’De arqueologia, sabe o Carlos Fabião. Mas de falsos e de metais sei eu, que li tudo sobre o assunto. O Carlos Fabião não pense que me enganava e me fazia tomar o falso como autêntico, ou vice versa. Ele ou os outros arqueólogos. Enquanto ninguém demonstrar o contrário, isto é autêntico e os arqueólogos não se livram disto".

 

- O quê?!!!

 

- Isso mesmo. Deixe ver… há mais… É isto:

‘’Não se precipitem e antes de decidirem se é falso ou se é verdadeiro, esgotem todas as possibilidades de apurar de onde poderá isto ter vindo.’’

 

- Pronto, senhor Licínio! Com toda a franqueza, vá à sua vida, que não nos apetece ter esse idiota atrás da porta.

 

- Quem, eu?

 

Jorge Oliveira.

 

- Espera lá, Carlos. Ter o Manel atrás da porta, não. Mas se o senhor jornalista for dando umas dicas…

 

- Ah… Sim. Até posso ir tomando nota e deixar os rascunhos. Ele comigo abre-se… Eu sou jornalista, sei falar com as pessoas... E… se os senhores professores pusessem um ponto final nesta trapalhada e dissessem que é egípcio e pronto?

Ora, como Vossa Excelência pode ver, Meritíssimo Juiz, o nosso parecer poderá parecer muito condicionado por aquilo que o autor desta estapafúrdia foi transmitindo a um jornalista muito ardiloso para nos perturbar.


Pelo que reiteramos a nossa sugestão de que este parecer fique secreto e confidencial nos autos.’

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