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Nota: O leitor JM teve a gentileza de se identificar para nós.


Caro JM.


Vou então tentar expor sucintamente, o mais que possa, a minha opinião em relação às questões que coloca. Perdoar-me-á se recorrer a exemplos que talvez julgue primários, mas vou tentar também aproveitar o seu comentário para clarificar algumas questões mais básicas.


Ainda bem que a primeira questão que coloca é a do ‘’lixo’’ versus préstimo. Toda a ambiguidade que advém da forma como nos expuseram sempre o assunto, logo desde que Miguel Cadilhe assumiu a Presidência da Administração do BPN, se estrutura em consequência dessa ilusão, de que se estava a tentar separar o ‘’lixo’’ do que tinha préstimo.


A maioria das pessoas está convencida de que um banco é uma entidade que tem muito dinheiro e que ganha dinheiro emprestando-nos o seu dinheiro. Por isso não entendem a razão porque, quando o Estado tem dinheiro - por exemplo quando o Estado português subscreveu o acordo com a troika ao abrigo do qual ia receber um financiamento de setenta e cinco mil milhões de Euros com juros excepcionais - os bancos aparecessem, logo no instante da partilha da primeira fracção recebida, a exigirem a sua imediata recapitalização.


O que é de facto a recapitalização de um banco? Na realidade, é uma história para adormecer meninos. É uma forma de os bancos nomearem, mantendo o fraque e os colarinhos altos, um procedimento que é apenas o seu modo de vida ou ‘’modus operandi’’ e não um recurso excepcional. Porque os bancos não têm capital, propriamente, ou só precisam de ter o capital que responda às necessidades mínimas que, no mercado financeiro, garantam ‘’o bom nome na praça’’.


Qualquer empresa tem que poder apresentar um volume de capital social mínimo que corresponda, numa proporção tacitamente estabelecida pelos parceiros financeiros, ao volume de negócios que pretende realizar. Todos sabemos que é uma percentagem muito baixa.


O objecto social de um banco é vender dinheiro. Vender créditos, cobrando juros. Como qualquer entidade comercial, o banco, para vender dinheiro, tem que o comprar, como um vendedor de camisas tem que comprar as camisas que tem que vender. Perdoe-me o exemplo.


Quando sabemos que o estado português mobilizou uma percentagem significativa do financiamento concedido pela troika, a juros baixos de excepção, para a ‘’recapitalização’’ dos bancos, isso significa que vendeu aos bancos seleccionados para a ‘’recapitalização’’ dinheiro a custos excepcionais, num procedimento de privilégio que, para lá do mais, violaria regras elementares de concorrência equitativa.


É muito importante, para me confrontar com o seu comentário, colocar à partida assim a questão.


Vou mais à frente abordar com detalhe a questão de ética que muito bem levanta.


Mas partamos ainda de outro pressuposto. É sabido que as primeiras chamadas de atenção da supervisão ao BPN, ainda durante a administração de Oliveira e Costa, tinham como motivo estruturante a clarificação do papel das empresas do grupo SLN. O Banco de Portugal queria saber, com clareza, onde terminava o banco e se iniciava o grupo empresarial propriamente dito, ou cada ramo empresarial da SLN, a bem dizer.


O que estava em causa era que, para lá de outras implicações que impediam os procedimentos técnicos da supervisão, a relação entre o BPN e as restantes e cada uma das empresas da SLN era uma espécie de ‘’associação de malfeitores’’, porque colocava, mesmo no campo da concorrência, as restantes empresas da SLN em situação de privilégio, porque as dispensava de irem ao mercado capitalizarem-se, tinham um banco que o podia fazer em condições de excepção, que são as condições de que usufruem os bancos. O BPN, por sua vez, usufruía também de condições de excepção, pois tinha assegurado um comprador, concentrado, que lhe garantia o mercado para o dinheiro que comprava.


Ora, acresce ainda a este panorama o facto de se constatar que as empresas da SLN gozavam, através de uma rede de tráfico de influências e de corrupção, de uma excepcional capacidade para monopolizar as adjudicações dos grandes empreendimentos do estado, roubando, sucessivamente, algumas posições monopolistas que eram quase da exclusividade da CGD e do BCP.

Esta questão envolvia, como bem diz, graves violações do normativo que rege a sã e equitativa concorrência entre as instituições financeiras, mas sobretudo os princípios elementares da ética, embora as questões da ética que invoca não se confinem a isto.


Vamos partir então deste esboço sintético da raiz do problema para clarificar em que consistia de facto o ‘’lixo’’ e o préstimo entre os ‘’activos’’ do BPN.


Um dos aspectos mais curiosos das primeiras declarações de Miguel Cadilhe quando assume a Presidência da Administração do BPN é o facto de se referir a ‘’lixo tóxico’’ citando explicitamente três dos ‘’activos’’ que pareciam a origem, ou uma das origens, da insolvência do banco.

Tudo leva a crer que, ao enveredar por esse caminho, Miguel Cadilhe tinha um plano astuto.


O que é ‘’lixo tóxico’’?


Hoje em dia penso que as pessoas mais atentas já entenderam que Miguel Cadilhe estava a contemporizar. Eu confesso que, na altura, fiquei desorientado, tentando descodificar a mensagem que Cadilhe estava a emitir.


Cadilhe propunha-se resolver a ‘’toxicidade’’ de uns investimentos alegadamente do BPN através da venda, com mais valia, dos próprios. Para o efeito, as suas declarações eram suportadas por uma avaliação da Christie’s para dois deles, a ‘’colecção egípcia’’ e a colecção de obras de Miro.


Era insólito. Seriam todos os activos do BPN? Os activos do BPN circunscreviam-se a três investimentos ‘’tóxicos’’, uma colecção egípcia, uma colecção de pinturas de Miro e uma emissão comemorativa de moeda? Se assim fosse, seria muito grave.


Eu sabia que o BPN não poderia vender assim, numa operação de emergência, nem a ‘’colecção egípcia’’ nem as obras de Miró. Estava estupefacto.


A ‘’colecção egípcia’’, fosse falsa ou autêntica, não podia ser expedida para fora das fronteiras nacionais. Para isso necessitaria de uma licença das entidades tutelares do património cultural e artístico. As obras de Miro também. De resto, o grande problema que continua a subsistir relativamente às obras de Miró é o de saber se elas estão legitimamente em Portugal e se o Estado espanhol tinha conhecimento e autorizara a sua expedição para Portugal, a título precário como penhor de um crédito, a título alegadamente definitivo após a execução.


Ora, bastava que alguém pudesse fazer este raciocínio para que a história de Miguel Cadilhe ruísse pelos pés.


Mas, mais relevante do que isto era o facto insólito de Miguel Cadilhe querer resolver a ‘’toxicidade’’ de uns activos vendendo-os. Não fazia sentido. O que faria sentido seria que Miguel Cadilhe quisesse servir-se da consistência de outros activos para anular a ‘’toxicidade’’ daqueles.


O que se poderia deduzir então? Que todos os activos do BPN eram ‘’tóxicos’’, excepto aqueles que Cadilhe alegava como tal. Porque estes tinham um suporte material palpável.

Mas como Cadilhe não pretendia vendê-los, tentava apenas contemporizar, não se apercebeu de que alguém estava a ponderar no assunto e a rir-se com desdém, porque sabia que Cadilhe não podia vender nem a ‘’colecção egípcia’’ nem as obras de Miro. Uma das razões em que eu fundamento a alegação de que tudo o que o Estado português divulga acerca das actividades da PARVALOREM é demagogia, é o saber que ainda não existe um acordo, publicamente divulgado, acerca da legitimidade da presença física das obras de Miró em Portugal, uma vez que provêm de Espanha e necessitariam de uma licença de expedição emitida pelo Estado espanhol. Quer isto dizer que as pinturas de Miro nunca poderão ser um activo relevante na estratégia financeira da PARVALOREM.


E a verdade é que o investimento do BPN nesses dois activos, nomeadamente a ‘’colecção egípcia’’, não pressupunha a sua venda. A única razão porque poderiam ser ‘’tóxicos’’ era essa, eram inertes porque não poderiam circular livremente no mercado. E esse era um pressuposto.


Porque razão, após a nacionalização, quer no período da Caixa Geral de Depósitos quer no das ‘’sociedades veículo’’, o Estado português teve que manter essa ficção, de que entre os ´´tóxicos’’ a transaccionar estariam uma colecção de obras de Miro e uma ‘’colecção egípcia’’?


Porque, na realidade, todos os outros activos eram tóxicos. Eram operações financeiras de perfil obscuro. Créditos do BPN à SLN e a outros parceiros restritos do círculo de um e de outra.

 

Vamos enveredar por um atalho.


Porque razão o Estado não se pôde solidarizar com a contemporização de que Miguel Cadilhe fizera a chave do seu programa de saneamento do BPN?


Espero que o JM já tenha lido a última nota que aqui deixámos acerca do SIRESP.


A razão foi essa. Porque estavam em causa programas milionários comparticipados pelo estado e pelo BPN, adjudicados à SLN, que exigiam imediata resposta. O SIRESP e outros ainda mal conhecidos. E esses programas envolviam tráficos de poderosas influências não apenas dentro do partido residente na SLN, o PSD, mas também do PS.


Não tenhamos dúvida. O caso BPN foi uma conspiração de regime.


A própria SLN necessitava de uma operação de transferência da paternidade financeira do BPN para uma instituição mais sólida, de preferência envolvendo o Estado como fonte de financiamento, dados os valores que passavam a estar em causa.


E essa foi a razão por que a queda de Oliveira e Costa começara na transição de 2005 para 2006, com o apertar do cerco da Operação Furacão e a colocação

de Oliveira e Costa sob a vigilância apertada da SLN, retirando Luís Caprichoso da sua proximidade e encostando-lhe Francisco Sanches.


E agora deixe-me dizer-lhe uma coisa, por graça e pelo sério.

...

É possível que não possa concluir esta resposta. Estão a bater-me à porta. Se não for nada de grave, cá estarei mais logo.



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1 comentário

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De MCN a 05.10.2013 às 19:46

Ficam ainda duas questões para responder. A ética e o que se passou após a nacionalização. 

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