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O lado do Caso BPN que poucos conhecem nos seus trâmites mais profundos, obscurecidos pelos interesses das partes envolvidas. O relevo dado a duas colecções de arte entretanto sem paradeiro, fazendo crer que são motivo de todo o descalabro do caso BPN
‘’Teixeira dos Santos afirmou, na Comissão de Orçamento e Finanças, que «não é de esperar que haja aqui impactos significativos», referindo-se ao impacto orçamental com a operação do BPN.
«A nossa preocupação aqui é, de facto, fazer com que os eventuais custos sejam mínimos e, se possível, que não haja custos para os contribuintes que resultem desta operação», afirmou Teixeira dos Santos.
O ministro das Finanças declarou que o Banco de Portugal e a Caixa Geral de Depósitos já fizeram «uma injecção de liquidez» de 435 milhões de euros, um valor que Teixeira dos Santos disse ser «recuperável» por corresponder a créditos, quando foi questionado sobre o dinheiro que o Estado já gastou e poderá vir a gastar com esta operação.
O ministro que tem a pasta das Finanças esclareceu que o BPN tem fundos de tesouraria que aplica em vários bancos, a propósito do alegado investimento que a Segurança Social terá feito naquela instituição.’’
‘’(…) esperava de Vítor Constâncio um papel sincero e de apoio, mas, ao contrário, Constâncio regateou a liquidez, impôs um mecanismo gota a gota, mesquinho e aflitivo e asfixiou o BPN: “alegou a emergente crise internacional e tirou-nos o tapete".
Miguel Cadilhe, DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Abril de 2012.
O problema de um banco nunca é de capital, é de liquidez. É muito importante situar a análise do assunto BPN no momento dos primeiros rescaldos da nacionalização. Se tivermos em conta a declaração de Teixeira dos Santos transcrita em cima, ressalta mais uma vez que o problema do BPN em 2008 era um problema de liquidez que se restringia a 435 milhões de Euros, um pouco menos do que o rombo causado pelo levantamento efectuado em Agosto pela Segurança Social.
Porque razão o caso BPN passou a envolver sucessivamente valores mais elevados até atingir o de quatro mil e quinhentos milhões de Euros.
Nós temos vindo a alegar que o BPN acabou por resultar numa conspiração de regime. Porque o dizemos?
Já notámos aqui que o que acontecera um ano antes com o BCP se restringiu a um negócio entre o Banco de Portugal e os accionistas do BCP que tinham adquirido a sua posição com grandes carteiras de financiamento da CGD. Foi a intervenção coordenada da supervisão com a CGD que solucionou o problema, afinal de liquidez, também, no BCP e suspendeu averiguações sobre as irregularidades assinaladas pelo Banco de Portugal, que eram da natureza das que seriam sinalizadas no BPN.
De facto, tanto num como noutro banco, tais procedimentos estavam sinalizados há muito. Mais adiante constaremos que os mesmos procedimentos poderiam ser sinalizados na CGD se não estivesse coberta pelo seu estatuto institucional.
Se reflectirmos com rigor sobre o que se tem passado com a denominada ‘’recapitalização’’ da banca, estaríamos sem dúvida perante situações muito próximas do que se sinalizou no BPN após a nacionalização. A situação é óbvia no caso BANIF, embora não decorra qualquer investigação judicial, como não decorreu relativamente ao BCP.
A figura da ‘’recapitalização forçada’’ da banca tal como é definida no recente diploma que resulta das revisões do Memorando de Entendimento, tipifica bem as condições irregulares em que a intervenção do Estado é soberana, não resultando propriamente numa nacionalização, mas num artifício, a aquisição forçada de capital social e de poder de intervenção.
Já notámos também que desde logo não só Miguel Cadilhe como muitos analistas externos associaram as condições em que o Estado interveio no BPN, para assegurar a sua liquidez, em 2008, ao levantamento dos depósitos da Segurança Social, imputando ao levantamento o agravamento da crise de liquidez do banco, que era já remota e visível desde 2004. Seja, o governo de José Sócrates, conjuntamente com o Banco de Portugal, decapitavam o BPN.
O próprio Ministro das Finanças considerava explicitamente que a crise do BPN era meramente de liquidez, temporária, reconhece, porque os activos do banco, constituídos na generalidade por créditos, consideravam-se sólidos. E todos conheciam a natureza desses activos, em que consistiam e que papel tinha a SLN no âmbito dos activos do BPN. Os próprios ‘’tóxicos’’ a que Cadilhe se refere em Agosto, eram ‘’tóxicos’’ em propriedade da SLN, só seriam ‘’tóxicos’’ para o BPN se a SLN entrasse também em insolvência. Só poderiam ser assumidos pelo BPN no ‘’esquema’’ de administração de Oliveira e Costa, que geria o grupo como um bolo que não permitia identificar a sede de alojamento de cada activo e cada passivo.
O próprio Ricardo Salgado, fazia em Outubro de 2008 declarações de surpresa face à nacionalização, assegurando que os activos do BPN eram apetecíveis, dada a natureza dos créditos em causa e a carteira de clientes depositantes do BPN.
Bastaria pois rectificar esses procedimentos e realojar devidamente activos e passivos. Nem me parece que fosse complexo, embora a preocupação de Cadilhe com os ‘’tóxicos’’ da SLN indicie uma crise de confusão mental. Ou de espectáculo.
Sendo assim, teremos que considerar todo o itinerário de investigação acerca dos negócios do BPN e da SLN como um procedimento discriminatório, com o objectivo explícito de desviar as atenções do episódio político da nacionalização.
Mas não só.
Com o objectivo político de transferir para o Estado talvez o negócio especulativo mais espantoso da história da actividade financeira em Portugal durante as últimas trinta décadas.
Ao colocar em causa, através das investigações judiciais e parlamentares, a natureza dos negócios que asseguravam os activos do BPN, o Estado vulnerabilizava e retirava a solidez aos activos do BPN, tornando-os, pelo menos aparentemente, progressivamente mais tóxicos. Entravam na contabilidade do Estado e com valor zero ou quase a isso reduzido. Eram lançados para o deficit.
Entretanto transferiam-se para entidades habilitadas à sua venda, sociedades para o efeito constituídas, que procederiam à sua recuperação. Mas sem valores de referência, em circunstâncias de crise em que o valor de consolidação dificilmente seria apurado, o que permitia declarar à partida que era superior a zero.
Isto permitia ao Estado considerar o valor contratual de todos os activos do BPN como ‘’buraco’’. Assumir o buraco no deficit do Estado, tomando-o como origem das políticas orçamentais restritivas.
Mas simultaneamente tomá-lo como um valor em expectativa equivalente e em paridade, pelo menos, com o valor contratual, remontando ao acto da constituição dos créditos, ou de suas avaliações posteriores.
Porque razão o Estado não abre procedimentos de investigação à actividade do BANIF equivalentes àqueles que se abriram relativamente ao BPN? Em que diverge, na substância, a nacionalização do BPN da recapitalização do BANIF, onde já foram aplicados mais de mil e cem milhões de Euros? Porque não o fez em 2007 com o BCP?
Porque razão a liquidez do BPN contaminou a solidez dos seus activos?
Notemos todavia que eu não questiono que fosse ilícita toda a trapalhada que acabou por ser sinalizada nas relações entre o BPN e a SLN. O que estou a alegar é que a natureza oportunista e extravagante da eclosão do processo foi o reverso do oportunismo político da nacionalização.