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O lado do Caso BPN que poucos conhecem nos seus trâmites mais profundos, obscurecidos pelos interesses das partes envolvidas. O relevo dado a duas colecções de arte entretanto sem paradeiro, fazendo crer que são motivo de todo o descalabro do caso BPN
Excelentíssimo Senhor Secretário de Estado da Cultura.
Recebeu Vossa Excelência, ao que transmitem as notícias, um requerimento subscrito, penso, por várias bancadas da oposição parlamentar, solicitando-lhe que desse início aos procedimentos de inventariação das obras de Joan Miró em cuja propriedade o Estado Português foi, supostamente, constituído ao nacionalizar o BPN. E que ponderasse sobre a oportunidade de realizar a sua venda nas sessões de 4 e 5 de Fevereiro agendadas pela leiloeira Christie’s, conforme foi também noticiado pela imprensa com base em informação transmitida pela leiloeira, mas nunca, expressa e autonomamente, confirmada pelo Estado Português.
Tomei conhecimento, também através da imprensa, da resposta informal e antecipada que Vossa Excelência deu ao requerimento, transmitida confidencialmente, talvez de orelha a orelha, aos jornalistas, pois não consta que a Secretaria de Estado da Cultura ou Vossa Excelência tivesse emitido qualquer comunicado sobre o assunto.
Acerca deste assunto, todavia, não me alongarei, de tal modo se apresenta conspirativo, envolvido em mentiras e contradições, como desde há muito publicamente denuncio.
Resta-me acrescentar que Vossa Excelência tem razão, oportunista e aparente, ao alegar que até que Vossa Excelência tivesse chegado a essa Secretaria de Estado nenhum outro, de igual modo, promoveu sequer a inventariação das obras de Miró, nem sequer no âmbito dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito.
Em síntese. Até que a Christie’s anunciasse as sessões de 4 e 5 de Fevereiro próximo e editasse os respectivos catálogos, ninguém reclamou sequer a inventariação do acervo nem quis apurar o seu paradeiro, que denuncio há cerca de quatro anos como incógnito.
Enfim, ficou a parecer que Vossa Excelência tem razão. Uma vez mais, porque, explorando estas trapalhadas da oposição, até o Governo que Vossa Excelência integra parece ter razão em toda a sua iniciativa de rotina.
Bem, mas porque agora pode ficar também a parecer que eu estou também a oferecer-lhe gratuitamente a aparência de razão, com estes comentários que, por estarem inquinados por juízos políticos, Vossa Excelência talvez se recuse a ler, passemos ao assunto que me traz.
Como Vossa Excelência bem sabe, o Estado Português foi alegadamente constituído também na propriedade de uma dita ‘’colecção egípcia’’, seja um acervo de objectos de arte e arqueologia, que o BPN, alegadamente também, adquiriu a um coleccionador e que têm sido dadas pela comunicação social, em associação conspirativa com várias entidades públicas, como falsas, nunca se entendeu se no todo ou em parte.
Vossa Excelência saberá também que a referida colecção não foi adquirida pelo BPN mas pela GESLUSA, sociedade do grupo SLN, que acabou por tomar a posição do BPN no contrato de compra firmado com o vendedor.
Vossa Excelência saberá também, ou poderá sabê-lo e comprová-lo, que a referida colecção fora, mais formal ou menos formalmente, previamente apresentada a várias entidades do Estado e que só depois de tais entidades revelarem o seu desinteresse ou capacidade para a adquirir, no todo ou em parte, foi apresentada a duas entidades privadas.
Sabe também Vossa Excelência, ou poderá sabê-lo e comprová-lo, que a apresentação a essas duas entidades privadas foi sempre feita na condição de que, se alguma viesse a manifestar interesse pela sua aquisição, o fazer na presunção de se tratar de património de interesse público, ainda que não classificado como tal, e se vincular à sua preservação, conservação e à promoção do seu estudo junto da comunidade.
Como Vossa Excelência bem sabe, também, a única inventariação da dita ‘’colecção egípcia’’ que existe é de minha autoria e constava dos documentos de estudo e apresentação que a acompanhou no acto de aquisição pelo BPN e previamente apresentados aos organismos públicos da tutela. De resto, é a ela que recorrem os meios de comunicação social, sempre que se pronunciam sobre a ‘’colecção egípcia’’ e a sua composição.
Seja, estou na convicção, que documentarei em qualquer momento, do seguinte:
O Estado jamais procedeu a uma inventariação formal e competente da ‘’colecção egípcia’’ em cuja propriedade o BPN alegadamente se encontrava em Agosto de 2008 e cuja propriedade foi transferida para o Estado, alegadamente, após a nacionalização do BPN.
Na verdade, a opinião pública, induzida todavia pela comunicação social na ideia de que a referida colecção se encontra depositada num cofre da CGD, tem toda a legitimidade para suspeitar de que o seu paradeiro não se tenha perdido, suspeita que reiteradamente comuniquei a essa Secretaria de Estado e a outros organismos da tutela.
Nesta convicção, nunca entendi de onde e com que base partia a alegação de que a referida colecção era falsa. Na verdade, desde há cerca de quatro anos que se anunciou que uma comissão de três arqueólogos fora encarregue de lavrar um parecer sobre o assunto. Até ao momento nenhum parecer foi divulgado, pelo que a referida colecção permanece sem estatuto, ao sabor de qualquer decisão arbitrária, e sem paradeiro.
Como Vossa Excelência entenderá, com certeza, a actual situação apresenta-se como se alguém, singular ou colectivo, estivesse interessado em manter a colecção sem paradeiro nem estatuto para dela se vir a apropriar. Ou como se a alegação da propriedade do Estado sobre a colecção servisse qualquer interesse obscuro.
Mesmo sendo falsa, a colecção deveria ter sido, logo após a ‘’aquisição’’ pelo Estado, sujeita a uma inventariação rigorosa e exposta ao juízo da comunidade, pelo menos da comunidade científica e cultural.
Assim sendo, dada a irregularidade, legal e ética, desta situação, solicito-lhe.
Que constitua com toda a urgência as condições para que seja nomeada uma comissão que proceda ao rigoroso inventário e apuramento da genuinidade da colecção de objectos alegadamente arqueológicos que o BPN adquiriu ao poeta Joaquim Pessoa em 2005.
Que proceda ao imediato apuramento do paradeiro da referida colecção e o comunique publicamente.
Que proceda à imediata exposição pública da colecção.
Que divulgue, caso exista, o relatório ou parecer lavrado pela comissão de estudo alegadamente nomeada ou constituída em 2009.
E noto-lhe, mais, que, se no caso da colecção de obras de Joan Miró Vossa Excelência pode alegar dúvidas acerca do interesse público em conservá-la, embora o seu dever fosse consultar a opinião pública, no caso da dita ‘’colecção egípcia’’, dada a sua natureza e constituição, seria insustentável essa posição de demissão, pois tratar-se-ia de património associado, sem dúvida, a Portugal.
Noto ainda que não entendo como um Estado que alega progressivamente a necessidade de reforçar uma relação mercantil, dita ‘’sustentável’’, com o património desperdiçou uma tão óbvia oportunidade.
Mesmo admitindo que possa ser falsa, a referida colecção, instalada numa sala do Museu Nacional de Arqueologia, já teria atraído, durante quatro anos, talvez mais ingressos do que todo o acervo do museu.
Excelentíssimo Senhor. Recordo-o que, qualquer que seja o juízo que faça sobre o teor desta, está pela lei obrigado a dar-me resposta no prazo legal. E recordo-o ainda que tem algumas respostas em atraso.
Coimbra, 21 de Janeiro de 2014.
Manuel de Castro Nunes *