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Calma lá, Senhor Juiz. Aqui ninguém tem medo. Constitucionalmente, somos todos dignos.

 

Os portugueses são um povo inculto. Quarenta anos de democracia tutelados por um sobrevivente salazarismo corporativo garantiram a sobrevivência de um Estado autoritário, manhosamente autoritário, cujo aparelho vai servindo, em regime e carrossel rotativo, uma espécie de protocolo de afinidades tácitas parlamentares, porque, no azar da oscilação dos resultados eleitorais que vão consagrando a rotatividade, cada político espera vir a usar o aparelho de Estado para ajustar contas com o seu adversário.

 

Descredibilizados os políticos, o Estado investe desesperadamente em salvar a impunidade e imunidade do seu dispositivo e extensão mais adequada ao exercício da autoridade consensual. Quando a credibilidade em todas as outras instituições do Estado se desmantelar, restará a imunidade circunspecta do aparelho judicial, de sobrolho erguido, reduzindo à mais baixa condição de réu cada cidadão que não se conforme com os ditames da política. Juízes e polícias asseguram a velha máxima: A deus o que é de deus e a césar o que é de césar. A justiça é divina. Foi deus quem ergueu o punho demolidor do verdugo. Foi nesse sentido que, referindo-se à hecatombe de processos judiciais contra a corrupção política, Maria José Morgado comentou, com alguma precipitação coadjuvada pela sua exígua cultura e prudência, que, terminado tudo (a hecatombe de processos tutelados e de iniciativa do Ministério Público), sobrariam os honestos, numa óbvia referência aos próprios magistrados. Não se pode interpretar de outro modo, a não ser que Maria José Morgado estivesse no divino segredo que lhe sugeria adivinhar que ainda sobravam políticos honestos e já soubesse quem são.

 

"Os juízes portugueses não podem silenciar a ameaça proferida ao juiz Carlos Alexandre, por um conselheiro de Estado, lamentando profundamente tais declarações."

(…)

‘’Os juízes portugueses exigem a todos, e em especial aos que exercem funções de Estado, o respeito pela dignidade que a Constituição lhes atribui.’’

 

Esta quase profética declaração foi extracta pelo semanário SOL do comunicado que a Associação Sindical dos Juizes Portugueses, presidida pelo Desembargador Mouraz Soares, difundiu a propósito de um artigo de Mário Soares no Diário de Notícias em que entre outras liberdades de ancião de noventa anos sugere ao Carlos Alexandre ‘’que se cuide’’.

 

Ora, eu não sei que artigo ou artigos da Constituição Mouraz Soares refere, que atribua, assim sem mais, uma dignidade incontestável e não escrutinável aos juízes. Sem dúvida, a recente posição explicitamente pela ASJP, pela voz de Mouraz Soares, reclamando privilégios salariais ou, pelo menos, a blindagem salarial para os juízes e dela fazendo condição ou requisito para a sua independência não me parece muito abonatória da dignidade que a Constituição alegadamente atribui aos juízes.

Note-se que estes privilégios são requeridos num período em que aos portugueses foram impostas condições drásticas de sobrevivência salarial.

Deve ser muito bom ser juiz e disfrutar de uma dignidade incontestável, atribuída pela Constituição, sem dela ter que cuidar porque inerente. Penso que foi nesse sentido que Mário Soares terá sugerido ao Carlos Alexandre que se cuidasse, que cuidasse da sua dignidade, porque a Constituição começa a parecer um argumento estafado para atribuir dignidade a quem dela não cuida.

 

Tudo leva a crer em que, em breve, quando nada nem ninguém honesto já sobrar nesta honestíssima República, ouviremos todos e cada um bramar pela dignidade que a Constituição lhes atribui. Embora ninguém tenha cuidado dela.

 

O juiz Carlos Alexandre poderá continuar a esgrimir com a prudência acantonado na dignidade que a Constituição lhe confere. Poderá continuar a manipular e convocar os instintos mais primários que uma indignação legítima contextualizada por uma cultura de cidadania bandalha vai inflamando nos portugueses. Pode continuar anestesiado como espectador embasbacado do clamor bárbaro que pede ou exige a forca, a decapitação ou crucifixão pública de José Sócrates. Como um jornalista ou um general inebriado pelos horrores do Estado Islâmico, que afina na contemplação da barbárie a sua distinta cultura de esteta da moralidade.

 

Mas o que Mário Soares parece sugerir-lhe é que cuide da sua dignidade porque a política é circunstancial e precária e as cruzadas persecutórias ora vão contra cristãos ora vão contra mouros. E já assistiu, sentado na mesma plateia, à precariedade das dignidades que a Constituição atribui, se se recorda do que aconteceu à dignidade de Noronha Nascimento ou Pinto Monteiro, entre muitos outros.

 

Foi a prudência que ditou a Carlos Alexandre que iniciasse a parte visível do processo contra José Sócrates acusando-o de estar a perturbar a investigação por almoçar com Pinto Monteiro. Ninguém entendeu como este episódio reforçava a consequente alegação de que a justiça não pode ser confundida com a política e de que a dignidade de juízes e magistrados lhes é atribuída pela Constituição.

Assim sendo, o que devemos neste passo emaranhado da novela é interrogar as razões da cumplicidade de António Costa.

 

Porque razão, anteontem, quando foi conhecido o resultado do sorteio automático do recurso da defesa de Sócrates no Tribunal da Relação, António Costa não recorreu à sua memória política e não veio a público com toda a veemência alegar que o Desembargador Agostinho Torres não oferece garantias de isenção e pode estar a julgar em causa própria?

 

Será que o Carlos Alexandre guardará alguma surpresa para António Costa? Serão as escutas aferrolhadas pelo Carlos Alexandre e pelo Rosário Teixeira no cofre do Correio da Manhã uma espécie de ogiva nuclear iraniana que assegura a atribuição das dignidades pela Constituição?

 

Será a razão porque Mário Soares diz o que António Costa não pode dizer?

Vamos então dissecar o guião da novela.

 

(Continua).

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2 comentários

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De DISPARATE SEU a 04.02.2015 às 18:41

«Os portugueses são um povo inculto». Eu também acho que sim, e o amigo é o exemplo vivo disso. Nem li o resto. O Marquês topava o povo português, Salazar também, o Fernando Pessoa, o Eça de Queiroz, ai o Eça, ai o Eça, ui, esse, com a sua pena sempre cheia de sabedoria, travava entre duas vírgulas, os espantalhos que pensavam dizer algo de...importante.<img src="http://imgs.sapo.pt/images/blogs/mood/EMOTICON_LOL.png">
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De Maria a 04.02.2015 às 18:51

Porque mudaste de nome, ó CALA-TE? Não andavas bem com ele? Tens bom remédio. E sobre os portugueses serem incultos, não percebeste o sentido do que o autor quis dizer. Mas já agora, ele referia-se aos patetas como tu. Possa, escreves mesmo mal. De certeza que não és alentejano? Mesmo estando mais para cima? Fica fixe pá.

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