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O lado do Caso BPN que poucos conhecem nos seus trâmites mais profundos, obscurecidos pelos interesses das partes envolvidas. O relevo dado a duas colecções de arte entretanto sem paradeiro, fazendo crer que são motivo de todo o descalabro do caso BPN
Durante cerca de três meses a agenda da comunicação social e de alguma forma a da chicana parlamentar foi entupida pela colecção Miró do BPN. Os espectadores foram intoxicados com mentidos e desmentidos, golpes e contra golpes, estaladas e pontapés. Uns queriam resgatar as pinturas de Miró, dadas como património público, outros queriam resgatar uns milhões.
A PARVALOREM, que foi titubeando de contradição em contradição, sem nunca ter esclarecido coisa alguma, acabou por difundir, uma vez mais através da AGÊNCIA LUSA com nota de encargo para todos os órgãos do estado, ou seus subsidiários, a notícia de que a colecção Miró regressara a Lisboa e aos mesmos cofres de onde fora expedida em camiões, sem rasto de tráfego, guias de remessa nem notificação, ao que se sabe, às autoridades aduaneiras. Como se se tratasse de uma carga de cocaína expedida por um cartel em regime de clandestinidade.
Ninguém afinal queria saber da colecção Miró, nem peticionários, nem parlamentares, nem tribunais. Lá ficou a colecção sepultada na Caixa Geral de Depósitos, a aguardar nova expedição para Londres, onde será de novo apresentada em leilão em Junho.
A colecção Miró já cumpriu os seus fins sociais como património público, passou de novo ao domínio privado.
A PARVALOREM, a GALILEI e os associados ganharam. E seguem triunfantes.
Entretanto, todos sabemos que uma tal ‘’colecção egípcia’’, que passaremos a designar como ‘’colecção Pessoa’’, para não alimentar mais ambiguidades e subentendidos, continua em regime de mistério, ninguém lhe conhece ou assinala o paradeiro, porque também já cumpriu o seu propósito social, fazer de contas que o descalabro BPN tinha na origem uns ‘’tóxicos’’ de escassos milhões de Euros.
Nós, todavia, não vamos deixar nem um assunto nem outro jazerem nas suas sepulturas. Vamos hoje, então, levantar um pouco mais o véu.
Após a tomada de posse da coligação PSD/CDS, logo no fim do verão de 2011, o poeta Joaquim Pessoa foi constituído arguido por ter vendido ao BPN uma colecção de arte, alegados ‘’objectos arqueológicos’’, cuja genuinidade era contestada. O assunto era todavia do conhecimento público desde Agosto de 2008, quando Miguel Cadilhe o tinha anunciado, anunciando de resto a sua venda para breve, processo que se iniciara com a avaliação da colecção pela reputada leiloeira Christie’s, que lhe atribuíra o valor de cinco milhões e seiscentos mil Euros.
Este anúncio fez explodir uma cadeia de reacções veiculadas pela comunicação social, na qual intervinham desesperados os arqueólogos que alegavam que os artefactos eram ‘’falsos’’.
Todos estes episódios foram já aqui reportados e documentados.
O que a comunicação social não entendeu desde logo foi que, para utilizar as alegações e a indignação dos arqueólogos para dar cobertura a uma dada forma de ‘’narrar’’ o processo BPN, levando ao matadouro um poeta comunista, estava a desmantelar a reputação da leiloeira Christie’s, tida como a mais reputada entidade do planeta no que respeita a documentar arte e certificar a genuinidade das ‘’obras’’.
Quando chegamos ao episódio Miró, em Dezembro de 2013, a Christie’s já tem a sua reputação ferida irremediavelmente. A leiloeira que ia leiloar a colecção Miró era a mesma que tinha querido leiloar a colecção Pessoa e a tinha avaliado. E ao fazê-lo a certificava como autêntica.
Embrulhado na torrente de uma comunicação esquizofrénica, o espectador comum não se apercebe destas incongruências. E os meios de comunicação social ajudam, fazendo proliferar a desinformação.
Ora, desde que as primeiras suspeitas sobre a genuinidade da colecção Pessoa foram publicamente difundidas, eu pus a questão com toda a clareza.
Embora não conseguisse enxergar qualquer fundamento para as alegações de que a colecção fosse ‘’falsa’’, declarei sempre publicamente que me encontrava na disposição de o debater com quem o quisesse. E que era conveniente que quem quisesse aprofundar o assunto pudesse ter acesso à colecção e pronunciar-se presencialmente.
Fui também desenvolvendo outras matérias, como por exemplo o facto de a colecção ser chamada à colação no âmbito do processo BPN, uma vez que havia sido adquirida pela GESLUSA/SLN, que viria de resto a constituir-se em assistente no processo desde 2011.
Era tudo insólito.
Mas o mais insólito, na verdade, era que, no âmbito do processo que fora instaurado contra Joaquim Pessoa, acusando-o de burlar o BPN vendendo uma colecção de ‘’objectos arqueológicos falsos’’, aparecesse apensa outra acusação de ter vendido em 2002 uma outra colecção de ‘’objectos arqueológicos’’ falsos ao Senhor João Lourenço Estrada, Fundação Ernesto Lourenço Estrada & Filhos. E, com esse propósito, a mando do juiz de instrução do processo, os ‘’objectos arqueológicos’’ vendidos por Joaquim Pessoa ao Senhor João Estrada terem sido apreendidos e colocados à ordem do processo.
Tanto o Senhor João Estrada como os actuais administradores da FELE&F garantem não ter apresentado queixa alguma e não se consideram lesados.
Assim sendo, de quem partiu a iniciativa e porquê?
Porquê, já terá o leitor entendido. Como o paradeiro da ‘’colecção egípcia’’ se perdera e era impossível convocá-la para testemunhar, recorria-se, por transferência, ao testemunho da colecção Estrada.
Até fins de 2013, o juiz de instrução do processo nunca me aceitou nem como arguido nem como testemunha. Fui inesperadamente constituído arguido nos finais de 2013, em sede do DCIAP, uns meses após ter iniciado a denúncia deste tema aqui neste espaço e em outros domínios públicos, nomeadamente após ter solicitado, através de requerimento, ao Secretatário de Estado da Cultura que investigasse o paradeiro da colecção Joaquim Pessoa/BPN.
Para espanto, era já acusado, ou suspeito, de ter com o Joaquim Pessoa, em 2003, burlado não só o BPN mas também o Senhor João Estrada e a FELE&F.
Foi rigorosamente neste ponto que toda a conjura se denunciou. Foi então que a hipocrisia alcançou o seu cúmulo.
Mas o que é a colecção de ‘’arte e arqueologia’’ do Senhor João Estrada? Que está actualmente, desde 2007, cedida à Câmara Municipal de Abrantes com destino a constituir o núcleo mais apelativo do Museu Ibérico de Arte e Arqueologia?
Essa colecção foi por mim recolhida e instalada, após rigorosa inventariação, em espaço museológico edificado para o efeito.
Vamos ver então de que forma pode a Colecção Estrada suprir a falta da colecção BPN/Pessoa em sede de apuramento da genuinidade de uma e de outra.
E a que raio de ‘’engenhos’’ judiciais e processuais foi necessário recorrer para iludir o facto de a colecção BPN ter, oportunamente, desparecido.
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