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O lado do Caso BPN que poucos conhecem nos seus trâmites mais profundos, obscurecidos pelos interesses das partes envolvidas. O relevo dado a duas colecções de arte entretanto sem paradeiro, fazendo crer que são motivo de todo o descalabro do caso BPN
Aos directores editoriais da AGÊNCIA LUSA, Correio da Manhã, Diário de Notícias e Jornal I. E a Sua Excelência o Senhor Procurador da República Jorge Rosário Teixeira.
No passado dia 24 de Junho e seguintes os meios de comunicação social difundiram a notícia de que eu, Manuel de Castro Nunes, fui acusado pelo DCIAP de, conjuntamente com mais dois arguidos, ter burlado o BPN e a Fundação Ernesto Lourenço Estrada & Filhos.
A notícia difundida recorre a uma nota divulgada pela AGÊNCIA LUSA.
Literalmente, a nota da AGÊNCIA LUSA inicia-se com uma fórmula que se transformou num hábito velhaco, mas que um dia não pode deixar de ser um dos motivos axiais de drásticas interpelações éticas e deontológicas.
‘’A acusação, a que a agência Lusa teve acesso, refere que (…)’’
Mas como teve a AGÊNCIA LUSA acesso à Acusação?
Sabemos que desde há muito os jornais violam consecutivamente o ‘’segredo de justiça’’, impunemente, com a condescendência já explícita da Ministra da Justiça e da Procuradora Geral da República, que, no uso de um superior entendimento jurídico, se recusam a entender que ‘’o segredo de justiça’’ não existe exclusivamente para acautelar a eficácia dos acusadores, mas também dos acusados.
Na verdade, a mim, que não tenho receio de nada e nada tenho a esconder, o ‘’segredo de justiça’’ só me prejudica e prejudicou, neste caso de forma muito drástica, como adiante se entenderá.
Mas, neste caso, em que condições teve a AGÊNCIA LUSA acesso à Acusação?
A acusação proferida pelo Ministério Público no âmbito de um processo crime é um documento público, cujo acesso não pode ser negado a ninguém.
Mas, na verdade, a AGÊNCIA LUSA tem também acesso ao Processo 91/09.9JDLSB a que a Acusação respeita. Poderia ter confrontado as expressões cabais a que recorreu a Acusação com os dados factuais constantes do Processo e avaliar a forma como foram transferidos para a narrativa da Acusação. Não quero com isto dizer que a linguagem apelativa e forma de expressão jornalística se valorizaria muito, em referência aos seus propósitos, com um tirocínio junto de algumas instâncias judiciais.
Ora, se a AGÊNCIA LUSA tivesse tido a diligência de consultar o Processo, teria constatado que o ‘’relatório elaborado pela comissão de peritagem’’ que constatou na colecção ‘’cópias de má qualidade de artefactos existentes e, na maior parte, a produções imaginadas, sob influência de iconografias antigas", é constituído por quatro páginas, nos limites das quais se pronuncia sobre 167 artefactos, peças ou obras. E que a ‘’comissão de peritagem’’ tem nomes, Mário Varela Gomes, Virgílio Hipólito Correia e Rodrigo Banha da Silva, todos meritíssimos académicos da área da Arqueologia, que aceitaram lavrar um parecer nessas condições e circunstâncias.
O jornalismo diz insistentemente sobre si próprio que é cada vez mais e diligentemente de ‘’investigação’’, factual, objectivo. A expressão ‘’segundo documento a que a AGÊNCIA LUSA teve acesso’’ tenta de resto transmitir a ideia de que os jornalistas são diligentemente investigadores, compartilham activamente as diligências judiciais e policiais e são mesmo, muitas vezes, os promotores delas.
Comungam em particular com a AGÊNCIA LUSA esta postura jornalística o Correio da Manhã e o Diário de Notícias, para citar apenas a comunicação escrita. Foi o Sérgio Azenha do Correio da Manhã que, em 2009, divulgou ‘’em primeira mão’’ as imagens da colecção que na altura diziam ser ‘’egípcia’’. Na verdade as imagens eram de minha autoria e a sua ‘’divulgação em primeira mão’’ tinha o propósito de fazer subentender a ideia de que Sérgio Azenha as realizara na presença da ‘’colecção egípcia’’, que todos sabiam estar já sem paradeiro, embora Sérgio Azenha tenha visto transportá-la da sede do BPN para as instalações da CGD em camionetas.
Mas no Processo consta um elenco de fotografias realizadas pela Polícia Judiciária na sede do BPN, na António Augusto de Aguiar em 2010. E aí a ‘’comissão de peritagem’’ congeminou o seu relatório.
É de resto curioso que Sérgio Azenha, ou qualquer outro meio de comunicação social, nunca tenha divulgado as exímias fotografias realizadas pela Polícia Judiciária, que foram as que Luís Raposo, autor de um outro parecer, utilizou para se pronunciar. E a que o relatório da ‘’comissão de peritagem’’ se refere.
O parecer ou depoimento de Luís Raposo é sem dúvida o mais ‘’sui generis’’. Na bonomia que é seu apanágio, Luís Raposo parece tentar despenalizar-me. É um ‘’tipo porreiro’’. De modo que inicia o seu depoimento deixando claro que ‘’o Manuel de Castro Nunes não é arqueólogo’’. Com isto Luís Raposo parece querer sugerir que o Manuel de Castro Nunes é apenas um sujeito que se pronunciou acerca de matéria alheia.
De seguida, Luís Raposo vai confessando, ou sugerindo, que as peças ou obras que constituem a ‘’colecção egípcia’’ do BPN saem fora da sua especialidade, que é o Paleolítico e os períodos mais remotos da Pré-História. Mas declara em seguida que a sua opinião foi sugerida por uma técnica do Museu Nacional de Arqueologia a quem pediu um parecer, Ana Isabel da Palma Santos. É então que tudo se torna claro, porque Ana Isabel da Palma Santos também não viu a ‘’colecção egípcia’’, nem deixa entender que imagens viu, se as minhas fotos que são desde há muito do domínio público se as fotos realizadas pela Polícia Judiciária.
Então, Ana Isabel da Palma Santos é chamada a manifestar-se sobre as peças vendidas por Joaquim Pessoa a João Estrada, cuja colecção passa a suprir, para efeitos de diligências periciais, a ‘’colecção egípcia’’ do BPN.
Se a AGÊNCIA LUSA estivesse a autorizada a consultar o processo, levando até às últimas consequências o rigor informativo e na investigação que se tornou seu apanágio, teria dado conta de que, excluindo um parecer de quatro páginas emitido por uma ‘’comissão de peritagem’’ altamente qualificada, os restantes pareceres são emitidos sobre documentos periféricos, uns ‘’verbetes de achamento’’ e uns resultados de análises efectuadas na Contrastaria Nacional / Casa da Moeda. O que torna mais do que óbvio ou suspeito que a colecção não pode ser observada presencialmente pelos peritos.
O mais notável no âmbito deste processo é sem dúvida o esforço coordenadamente investido pelas autoridades judiciais e pela comunicação social para difundirem, sem resposta, a matéria de uma dada forma, tentando omitir o dado crucial de que a ‘’colecção egípcia’’ se encontra sem paradeiro e talvez se tenha perdido como valor patrimonial, seja falsa seja verdadeira.
Notável ainda que eu tenha sido constituído arguido seis meses antes de proferida a Acusação, num processo que levava mais de quatro anos de investigação. E que o fui depois de deixar claro que não me demovia na minha insistência, desde sempre claramente expressa, na exigência de que a ‘’colecção egípcia’’ aparecesse presencialmente e fosse colocada sob a tutela das entidades competentes.
Tudo faz pois crer que o que todos esperavam era que, uma vez que não era acusado, eu me alienasse do assunto. Foi nessa convicção, estou convicto, que os meus colegas que emitiram os pareceres citados o fizeram de forma tão leviana, convictos de que, uma vez que o faziam no âmbito de um processo em ‘’segredo de justiça’’, o Manuel de Castro Nunes nunca teria acesso ao Processo, nem manifestaria nisso interesse.
Mas o Processo é agora público, está à disposição da AGÊNCIA LUSA e dos senhores arqueólogos. E se nem uma nem outros quiserem usufruir desse privilégio, eu, no âmbito dos meus direitos de intervenção pública, vou desconstruí-lo peça por peça, para acautelar a honra dos senhores arqueólogos, dos senhores jornalistas e dos senhores investigadores.
Vamos indo por aqui. Mas não seria de esperar que a Agência LUSA, o Correio da Manhã, o Diário de Notícias difundissem em igualdade de circunstâncias as minhas alegações e a minha indignação, como fizeram com a Acusação do Ministério Público?
A mim pouco interessam já as acusações que contra mim foram proferidas. Já avaliei a sua solidez e fundamento e já registei que os dois tópicos em que a Acusação e os meios de comunicação vão insistir, para omitirem o resto e manipularem os instintos judiciosos dos portugueses, que são os mais vulneráveis. Eu, em conluio com o Joaquim Pessoa, falsifiquei uns tais ‘’verbetes de achamento’’ e o Joaquim Pessoa, por sua iniciativa, falsificou a assinatura do venerado arqueólogo António Cavaleiro Paixão.
Porque o que eu quero e exijo é que a ‘’colecção egípcia’’ apareça.
Quererão os senhores jornalistas ser cúmplices, juntamente com os arqueólogos, pelo desaparecimento pacífico e não contestado de uma tal ‘’colecção egípcia’’ do BPN, que, sendo falsa ou genuína, merecia um diagnóstico público rigoroso?
Porque razão ninguém exige a apresentação pública, ou pelo menos à ordem do Processo 91/09.9JDLSB, da colecção vendida por Joaquim Pessoa ao BPN?
Durante as próximas semanas vou tornar públicas sucessivas intervenções desmanchando, através da confrontação da Acusação difundida pela comunicação social com a documentação constante do Processo em referência, os propósitos da omissão do facto mais relevante deste episódio: o desaparecimento da ‘’colecção egípcia’’.
Resta-me pois solicitar aos directores editoriais da AGÊNCIA LUSA, do Correio da Manhã, do Diário de Notícias e do Jornal I a publicação e difusão desta. E comunicar que estarei disponível para prestar público depoimento sobre a matéria.
Os meus cumprimentos.
Lisboa, 9 de Julho de 2014.