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O lado do Caso BPN que poucos conhecem nos seus trâmites mais profundos, obscurecidos pelos interesses das partes envolvidas. O relevo dado a duas colecções de arte entretanto sem paradeiro, fazendo crer que são motivo de todo o descalabro do caso BPN
Diário de Notícias. Revista de Imprensa.
É do conhecimento geral que o vendedor de qualquer mercadoria em leilão, após a assinatura de contrato entre partes com a leiloeira, fica obrigado ao pagamento da taxa contratada no caso de, por qualquer razão que não possa ser imputada ao leiloeiro, suspender a venda. A taxa será então cobrada em referência ao valor mínimo da estimativa. Esta cláusula consta, de resto, com mais ou menos destaque, em qualquer contrato com qualquer leiloeira, sendo, todavia universalmente aceite sem contestação.
No caso da Christie’s e no que se refere a obras de arte, a taxa é mais ou menos estacionária em 15%.
Por exemplo. Se o Estado português suspendesse a apresentação de ‘’La Formarina’’ de Joan Miró no leilão do próximo dia 4 de Fevereiro em Londres, Christie’s, Lote 132, cuja estimativa mínima é de dois milhões e quatro centos mil Euros, teria que pagar à Christie’s a comissão de trezentos e sessenta mil Euros. No caso de suspender a venda das oitenta e cinco pinturas, teria que pagar algo como cinco milhões e quatrocentos mil Euros, seja 15% de trinta e seis milhões de Euros.
A aplicação drástica desta cláusula agrava-se, obviamente, com a proximidade, em linha vermelha, da data agendada para a sessão, com os catálogos editados e todas as despesas de instalação, transporte, manutenção e avaliação realizadas pelo leiloeiro. Tais despesas podem, de acordo com o contratado, ser objecto ou não de débito ao vendedor, acrescendo à comissão.
É facto, todavia, que, no âmbito da torpe política secretista do governo e de seus parceiros, ninguém faz sequer ideia do que possa ser o contrato assinado entre o Estado português e a Christie’s para a venda de oitenta e cinco obras de Joan Miró.
Apenas se sabe que a Christie’s, que avaliara em 2008 as mesmas pinturas em mais de oitenta milhões de Euros, estimativa mínima, as avalia agora em trinta e seis milhões. Incluirá o diferencial um ‘’premium’’ para a Christie’s?
Dizem agora, os mesmos jornalistas e órgãos de comunicação social que divulgaram a notícia de que Miguel Cadilhe contratara em 2008 a apresentação das pinturas em leilão - e essa seria a razão da primeira avaliação pela Christie’s - que não foi bem assim. A Christie’s, afinal, avaliara as pinturas para efeito de ‘’seguro’’.
Nós, durante cinco anos, não deixámos de sugerir que a Christie’s, se estava de boa fé, deveria tornar pública a sua avaliação, nem que fosse para restabelecer a confiança no Estado português, garantindo que, pelo menos os peritos da Christie’s podiam garantir que a colecção existia e por que pinturas era constituída.
Garantiriam também que não tinham avaliado uma conjectura ou um dossier.
Ora, nós não assinámos a famigerada petição que tem circulado para impedir a venda das oitenta e cinco pinturas de Miró.
Desde que surgiu que expusemos com liminar transparência a nossa posição e a nossa surpresa. E quem não o entendeu só pode ser hipócrita, nós fomos claros.
Mas maior surpresa manifestámos face à forma como os grupos parlamentares da oposição, do PS, do PCP e do BE, acolheram a petição no parlamento. Era o cúmulo da obscenidade e da hipocrisia.
Os senhores deputados da oposição estiveram na Comissão Parlamentar de Inquérito ao BPN. Tiveram oportunidade de esclarecer toda a matéria. Sabiam, de resto, desde 2011, ou pelo menos 2012, que o governo tencionava vender a colecção e a venda só, aparentemente, estava condicionada pelo apuramento do regime de propriedade. Mas só tentam impedi-la depois de se saber que o governo a ‘’adjudicara’’ à Christie’s, que já editara o respectivo catálogo.
Sabiam pois que, caso o leilão não se realizasse, integral ou parcialmente, a Christie’s viria legitimamente solicitar o pagamento, pelo menos, da comissão contratada. Só o não poderia fazer legitimamente se, de algum modo, pudesse ser co-responsabilizada pela suspensão do leilão.
Sem dúvida alguma a chicana promovida pelos grupos parlamentares da oposição na Assembleia da República foi um teatro.
O governo envia agora, através dos órgãos de comunicação social, recados à oposição, responsabilizando-a pelo pagamento dos custos da suspensão do leilão.
E todos os portugueses vão ficar convencidos de que vão pagar, em sede de défice público, mais uns milhões de Euros, como mais um custo da diletância parlamentar.
Nós sempre alertámos para que a petição nos parecia um óptimo pretexto para o governo suspender o leilão, convictos como estávamos de que o governo ainda não reunira as condições para vender a colecção de oitenta e cinco pinturas.
Alertámos ainda para que a deputada Gabriela Canavilhas não tinha a hombridade de se apresentara esclarecer algumas questões. Como, por exemplo, se terá tido a diligência de ver e proceder ao inventário da colecção. Se pode garantir que a colecção foi recolhida em 2008 num cofre da Caixa Geral de Depósitos. Se procurou apurar o real e exacto itinerário da colecção e o regime da sua propriedade. A deputada Gabriela Canavilhas era Ministra da Cultura.
Mas uma coisa é certa. Ao ordenar aos meios de comunicação social a difusão deste recado para a oposição, o governo parece reconhecer, por fim, que o leilão dos próximos dias 4 e 5 de Fevereiro não se realizará. As manobras para dar cobertura à sua suspensão envolvem já várias conjecturas e perfis, alguns caricaturais, um grupo de mecenas que se encarregará da gestão quando a colecção regressar, ou a aquisição de parte dela por Joe Berardo.
Não!
Se o leilão não se realizar, os portugueses devem exigir, imediatamente, a apresentação pública, presencial, das oitenta pinturas em Lisboa.
E a informação integral e detalhada sobre tudo o que respeita ao seu itinerário desde que, supostamente, transitou com o BPN para a propriedade do Estado. O custo, a natureza das operações financeiras através das quais o BPN entrou na sua propriedade e o balancete final.
Só depois, em nossa opinião, os portugueses deviam decidir.
Foi o que sempre propusemos.
Conscientes de que a colecção Miró é apenas um detalhe no âmbito dos negócios torpes e das mentiras e pretextos que o BPN alimentou.
Não posso deixar de fazer mais um reparo. Os partidos da oposição parlamentar integraram uma comissão de inquérito cujo propósito formal era apurar as responsabilidades da ‘’supervisão’’ até à nacionalização. Toda a informação a que tiveram acesso foi condicionada por esse propósito.
São uns palhaços. A hipocrisia não tem limite.