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O lado do Caso BPN que poucos conhecem nos seus trâmites mais profundos, obscurecidos pelos interesses das partes envolvidas. O relevo dado a duas colecções de arte entretanto sem paradeiro, fazendo crer que são motivo de todo o descalabro do caso BPN
Hoje, dia 7 de Fevereiro de 2014, para memória futura, num artigo publicado no ECONÓMICO, que parece ter como argumento ‘’salvar a reputação’’ da leiloeira Christie’s, ou talvez do governo que integrava quando o BPN foi nacionalizado, Pedro Silva Pereira cita o Relatório de Contas de 2012 da PARVALOREM. Para destacar o seguinte:
O processo de inventariação e determinação de propriedade e localização das Obras, revelou-se bastante complicado pela sua dispersão física e documental, pelo que só no final do ano 2012, foi possível apresentar um Plano de Atuação relativo ao portfólio (...). Relativamente à coleção Miró, a tomada de posse efetiva da totalidade do portfólio ocorreu apenas no passado mês de Dezembro, pelo que se prevê a curto prazo o INÍCIO do processo de alienação.
Nós já comentáramos anteriormente várias informações, nomeadamente esta, que constam do citado Relatório de Contas, pondo sempre em destaque a incongruência, o recurso à expressão ambígua e ao vazio de dados objectivos.
Notamos desde já e insistimos em que nas páginas 24 e 25 do relatório constam ainda as seguintes informações:
Na página 24 descreve-se o ‘’activo’’ bruto ilíquido em gestão por PARVALOREM durante o exercício de 2012, classificado em duas categorias:
Imobiliário, com valor bruto de cinco milhões cento e vinte e dois mil Euros, líquido de quatro milhões e novecentos mil Euros, por avaliação então realizada.
Obras de arte, com valor bruto de sessenta e dois milhões trezentos e sessenta e seis mil Euros, líquido de quarenta e um milhões e setenta e cinco mil Euros.
Até agora ninguém questionou estes dados. Sendo todavia e deveras surpreendente que o património em gestão pela PARVALOREM seja constituído apenas por estas duas categorias, não constando delas os bens financeiros, títulos de participação financeira em sociedades, títulos de crédito, enfim, uma múltipla variedade de bens financeiros que era suposto integrarem o património em gestão pela PARVALOREM.
Assim não sendo, ninguém conseguirá entender que ‘’activos’’ respondem pelo valor do défice de oito mil milhões, contabilizando apenas o transferido para défice público.
Afinal, o património que no início de 2013 garantia o valor de oito mil milhões de Euros lançados em défice público estava avaliado em quarenta e um milhões de Euros, valor líquido. Valor bruto de sessenta e sete milhões e quinhentos mil Euros.
Mas o mais espantoso era sem dúvida a sua repartição por categorias, com o valor do património em arte dez vezes superior ao do património imobiliário.
É caso para perguntar que trapalhada e que desfile de mentiras é isto.
Ora bem, o excerto que Silva Pereira transcreve é claro, ainda que, estamos certos, tenha sido redigido para proteger uma oportuna ambiguidade.
Pretende explicitar muito pouco coisa, encobrir mais do que revelar. Muito breve e falando de tudo por atacado.
‘’O processo de inventariação e de determinação de propriedade e localização das obras revelou-se bastante complicado, pela sua dispersão física e documental (…)’’. É certo, esta referência respeita ao universo das obras de arte pertencentes ao BPN, que possuía alguma pintura portuguesa, uma ‘’colecção egípcia’’, mobiliários outros ‘’apetrechos’’ artísticos. Nada se discrimina.
Nos parágrafos seguintes discrimina-se a colecção Miró. Sem qualquer referência a que obras, exactamente, se referia a dificuldade de localização e de atribuição de propriedade.
Deduz-se quais seriam quando se declara:
‘Relativamente à coleção Miró, a tomada de posse efetiva da totalidade do portfólio ocorreu apenas no passado mês de Dezembro, pelo que se prevê a curto prazo o INÍCIO do processo de alienação'
Ora, ou o recurso à expressão enferma de má fé, ou tem o sentido explícito que se deduz literalmente da redacção. Em Dezembro de 2012, a PARVALOREM entrou na posse efectiva do portfólio. Na posse, a posse não é propriamente a propriedade.
Disto se deduz que o que resta saber é onde estariam as obras, assunto que nunca é abordado no relatório, porque as obras, elas próprias e fisicamente, também não são o portfólio, que de resto tinha sido entregue já à Comissão Parlamentar de Inquérito por Luís Caprichoso.
E conclui então Silva Pereira o seu artigo com uma pergunta, muito engraçada, com um grande valor jornalístico, mas que, na verdade, lhe faz cair a máscara, a ele também.
‘Quem era o dono da mala?’
Mas que mala?
Após ter lido o que nós lemos, o Relatório de Contas de PARVALOREM para o exercício de 2012, Silva Pereira ainda pergunta de quem era a mala que transportou as pinturas de Miró de Lisboa para Londres?
Ainda quer manter os portugueses na crença em que as pinturas viajaram de Lisboa para Londres para estarem nas instalações da Christie’s em Fevereiro de 2014?
Que raio de conluio é este que vincula todos à mentira ou a meias mentiras emboscadas?
O governo de Pedro Silva Pereira foi quem - não se entende ainda com que obscura intenção - deu guarida a esta mentira, fazendo crer que as oitenta e cinco pinturas de Miró haviam sido resgatadas como garantia de parte dos créditos concedidos pelo BPN à SLN e que estavam recolhidas e a recato num cofre da Caixa Geral de Depósitos.
Vamos esclarecer de vez esta questão. As pinturas nunca estiveram em Portugal. Se estavam em Londres no dia 4 de Fevereiro de 2014, no contexto desta trapalhada é legítimo suspeitar, foram recolhidas pela Christie’s em qualquer lugar ou lugares, com o auxílio talvez de um portfólio.
E continua por apurar se o Estado português ou a PARVALOREM estariam na propriedade das pinturas, pelo menos da sua totalidade.
E era este o sentido de o Estado português adjudicar à Christie’s o seu transporte. Porque se o transporte fosse feito directamente de Lisboa para Londres, o óbvio seria que o Estado português se encarregasse disso.
Se oitenta e cinco pinturas de Miró foram mobilizadas directamente de Lisboa para Londres, mesmo num procedimento que se aproximaria do contrabando, o procedimento não deixaria rasto? Ninguém se apercebeu?
Será que a oposição parlamentar, no seu conjunto, ainda crê em que as pinturas estavam em Lisboa e em que o Estado português ou a PARVALOREM eram seus legítimos e definitivos proprietários? Ou faz também teatro?
Mas resta uma questão que nos deveria fazer reflectir.
A qualquer pessoa minimamente inteligente ocorreria agora a ideia de que, uma vez que reconhecesse que as pinturas nunca estiveram em Portugal nem eram conclusivamente e sem apelação propriedade do Estado português ou da PARVALOREM, mas aguardavam partilha em litígio, a venda apresentar-se-ia legítima. Seria um procedimento adequado para resgatar um bem, ou o seu valor, cujo estatuto de propriedade não se conseguia apurar mediante um acordo.
Porque razão o Estado português não o reconheceu e passou duas semanas de histerismo patético tentando segurar as pontas de uma mentira?
Porque há outras omissões e mentiras a que há que dar cobertura. Uma delas é a lista de bens patrimoniais declarados no Relatório de Contas para o exercício de 2013 da PARVALOREM.
Aquela sociedade anónima, embora bem identificada no relatório de contas, onde se reconhece que o Estado detém 100% do capital social. Mas que a Ministra das Finanças não está autorizada a fiscalizar, senão em sede de relatório de contas.
Mas é caso para fazer mais uma pergunta pertinente, nomeadamente ao CDS e a toda a oposição que partilhou a Comissão Parlamentar de Inquérito.
Que anda agora a supervisão a fazer? A PARVALOREM está fora da jurisdição da supervisão?
Provem-me que as oitenta e cinco pinturas de Miró saíram, entre Dezembro de 2013 e Fevereiro de 2014 de Lisboa para Londres. Há de haver uma ‘’guia de marcha’’.
’Quem foi Miró? Um defesa do Bilbau? Uma fragata da marinha chilena? Um cantor da Costa Rica? Uma fábrica de figuras de porcelanas? Há quatro ou cinco semanas apareceu no programa de Manuela Moura Guedes, minha querida amiga, um concorrente que tinha uma vaga ideia de quem o indivíduo fosse.
De resto, em Dezembro, 99 por cento dos portugueses nunca tinha ouvido falar, nem queria ouvir falar em Miró. Na oceânica ignorância em que “a geração mais bem preparada de sempre” rejubila, isto é um pormenor sem qualquer importância. Eles não sabem nada de pintura, como de literatura, como de história; nem sequer sabem que a água ferve a 100 graus C; mas conhecem em pormenor as bandas pop com que foram criados e muito mal criados, e o que se passa dia a dia no facebook.’
Provoca asco sim. Um intelectual e docente universitário que afirma, de cátedra e neste tom empolado, que 99% por cento dos portugueses não ouviu falar de Miró, que foi líder político de vários partidos, ministro da cultura e jornalista que raio terá feito para que 99% dos portugueses nunca tenham ouvido falar de Joan Miró?
Sobre que escreveu Vasco Pulido Valente nas colunas do Expresso e do Público durante quarenta anos, para que os portugueses nunca tenham ouvido falar de Joan Miró? E no ‘’O tempo e o modo’’? Que ensina na universidade? Que fez como Ministro da Cultura? Teremos outra Canavilhas?
Aníbal Cavaco Silva saberia quem é Miró antes das duas últimas semanas? Já saberá, para lá de tomar conhecimento de que foi um sujeito que pintou oitenta e cinco quadros que o seu amigo Oliveira e Costa comprou?
Imaginem só que eu era tão demagogo como Vasco Pulido Valente e rematava:
Noventa e nove por cento dos portugueses não sabem quem foi Hitler. Só sabem o que Vasco Pulido Valente e os seus correlegionários lhes têm contado, que Hitler era uma espécie de Stalin mais moderado.