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O lado do Caso BPN que poucos conhecem nos seus trâmites mais profundos, obscurecidos pelos interesses das partes envolvidas. O relevo dado a duas colecções de arte entretanto sem paradeiro, fazendo crer que são motivo de todo o descalabro do caso BPN
‘’O conjunto de trabalhos arqueológicos realizados no âmbito da construção da A2 (lanço Gomes Aires/VLA) demonstra que actualmente o quotidiano da arqueologia já não tem como objectivos prioritários a escavação de sítios arqueológicos e o desenvolvimento de trabalhos de investigação, mas o cumprimento de objectivos práticos que visam sustentar o desenvolvimento sustentado do país.’’
João Albergaria, ‘’Contributo para um modelo de estudo de impacte patrimonial: O exemplo da A2 (Lanço de Almodôvar/VLA)’’.
Ora bem.
As obras de Miró estão salvas. Um milionário angolano ofereceu quarenta e quatro milhões de Euros pela colecção, na condição de que fiquem em Portugal. Não se entende a condição, o milionário uma vez que as adquira pode levá-las para onde entender, na pior das hipóteses teria mesmo que as conservar em Portugal, se o Estado Português entendesse classificá-las. Isto, no suposto de que as obras cá estejam e não haja impedimentos à expedição por parte de qualquer outro país, que as tenha classificado previamente. Será isso?
O Estado Português, no caso o Governo de Portugal, entende todavia que o milionário se quer adquirir as obras as deve disputar no leilão agendado para Junho, em Londres, pela Christie’s. Era de esperar. Seria mesmo uma posição irrebatível, do ponto de vista da seriedade, se não fosse toda esta trapalhada.
A guerra pelas obras de Miró promete ainda alimentar os mais pitorescos episódios.
Só falta a ‘’colecção egípcia’’.
Vamos então clarificar um pouco mais o que se passa ou passou com a ‘’colecção egípcia’’. Partamos desde já, também, do suposto de que se há coisa que a colecção de artefactos supostamente arqueológicos que a GESLUSA - não o BPN - adquiriu nem é egípcia, nem azteca.
Vamos tentar então hoje entender porque razão se fez tanta questão de alegar, sem mais, que os artefactos que constituíam a colecção outrora egípcia eram ‘’falsos’’.
Para tal teremos que fazer o exercício propedêutico de tentar entender os mecanismos de raciocínio ou de emoção dos arqueólogos.
Vamos recordar, recorrendo a uma nota anterior, que eu fui subitamente constituído arguido por alegada suspeita de envolvimento, com o vendedor da colecção, o poeta Joaquim Pessoa, numa burla com o objectivo de vender ao BPN uma colecção de artefactos ‘’falsos’’. E que tal ocorreu no início de Novembro do ano passado, quando este itinerário de denúncia chegava ao auge e ao clímax. Sendo certo que, desde o início do processo, em Abril de 2011, me encontrava compulsivamente impedido de sequer testemunhar.
Ora, recordo também, para desenvolver a matéria, que, para minha surpresa, ou não, eu era constituído arguido de, já em 2002, ter participado com o mesmo poeta numa outra burla, pois tinha com ele vendido uma outra colecção de artefactos arqueológicos ao Senhor João Estrada, empresário de Abrantes, Presidente da Fundação Ernesto Lourenço Estrada & Filhos. O leitor deve saber, com certeza, que o Senhor João Estrada e a FELE&F são os proprietários de uma importante colecção de arte e arqueologia que foi cedida à Câmara Municipal de Abrantes e constitui a componente mais significativa do polémico Museu Ibérico de Arte e Arqueologia. Polémico porque o projecto arquitectónico mereceu a indignação dos abrantinos. Talvez ou certamente com razão.
Ora, porque razão num processo aparentemente decorrente de uma queixa por parte da GESLUSA contra Joaquim Pessoa, vem à colação uma venda feita por Joaquim Pessoa em 2002 ao Senhor João Estrada ou à FELE&F, vamos também apurar isso?
Desde 2008, quando, por iniciativa da Agência LUSA a questão da ‘’colecção egípcia adquiriu notoriedade, que sempre aleguei que era estimável, oportuno e indispensável que os arqueólogos que alegavam a ‘’falsidade’’ dos artefactos componentes da ‘’colecção egípcia’’, no todo ou em parte, tivessem a diligência de a inspeccionar e de produzir, mesmo para memória futura, uma alegação correspondente e equivalente à que sustentara a sua autenticidade.
Como também já aleguei, é possível que os arqueólogos não possam ter feito porque entretanto a colecção desapareceu e encontra-se, em minha opinião, sem paradeiro desde Agosto de 2008. Os arqueólogos conhecem as fotografias publicadas depois pelo Correio da Manhã, eventualmente algumas que, extraídas dos meus estudos, foram publicadas em vários lugares virtuais.
É pois reflectindo sobre estas incongruências que alego, desde que de tal tive conhecimento, que a deslocação da matéria do processo para a colecção FELE&F decorre da necessidade processual de fazer prova e colocar à disposição dos arqueólogos matéria palpável para produzirem as suas alegações e realizarem as suas observações e exames.
A verdade, todavia, é que os arqueólogos parecem recusar-se a produzir alegações também sobre a colecção da FELE&F, estando esta à sua disposição, pois integra os espólios a integrar no futuro Museu Ibérico de Arte e Arqueologia de Abrantes.
Torna-se pois oportuno descrever com detalhe, primeiro que tudo, o que é a colecção vendida pelo poeta ao Senhor João Estrada e em que contexto foi adquirida.
Tenha-se desde já em conta que explicitamente não recai, no âmbito do processo referido, qualquer suspeita sobre a procedência ou proveniência dos artefactos, mas tão só sobre a sua ‘’autenticidade’’. E esta questão é deveras importante.
Vou pois expor o episódio do meu ponto de vista e da forma como intervim nele.
No fim de Março de 2002, o Senhor João Estrada telefonou-me e perguntou-me se estaria disposto a ir ver uma colecção de ‘’objectos arqueológicos’’ que adquirira e com os quais pretendia fazer uma exposição na CULTURGEST, integrando também a sua colecção de numismática.
O Senhor João Estrada era então Presidente da Fundação para o Estudo e Preservação do Património Histórico-Arqueológico e propusera-me em 1999 que realizasse um trabalho de recolha de dados para a realização de um estudo em profundidade do território abrantino, que se estendeu depois ao curso superior do Tejo, desde Tancos a Vila Velha do Ródão estruturado pelas vias e hábitos de circulação viária e fulvial. Da campanha resultou o livro ´´Limina Aritium’’ ainda não publicado mas divulgado.
Desde então, o Senhor João estrada consultava-me previamente sempre que pretendia adquirir uma peça de arte ou apoiar um estudo ou actividade de investigação. Eu emitia sempre os meus pareceres por escrito, para que o Senhor Estrada pudesse dar conhecimento a quem entendesse. Fizemos sempre os dois questão disso.
Em Janeiro de 2002, iniciei também, a pedido do Senhor João Estrada, a escrita de um livro sobre um tema de grande complexidade, Viriato e os lusitanos, de que não cheguei a escrever mais do que um guião de abordagem, de resto amplamente divulgado.
Mais adiante traçaremos o perfil do Senhor João Estrada, um incansável amante da arqueologia que durante cerca de vinte anos tudo fez para complementar, numa profunda relação com as coisas e as gentes, o desconhecimento de que partira.
Ora, eu fui então ver, a casa do poeta Joaquim Pessoa, que conheci no momento, embora conhecesse de nome, uma colecção de artefactos ‘’arqueológicos’’ que não esperava. A colecção parecia descontínua, havia artefactos que, numa primeira observação, suscitavam algumas suspeitas relativas a ‘’autenticidade’’. A maioria deles e os mais relevantes, tanto do meu ponto de vista como do Senhor João Estrada, não suscitava dúvida alguma. Nomeadamente uma colecção sem par de idolografia calcolítica, em calcário e em xisto.
Mas o Senhor João Estrada já adquirira a colecção, já pagara uma parte muito substancial e pretendia apenas que eu recolhesse os artefactos, os inventariasse e preparasse com ele a exposição na CULTURGEST.
Fiquei então também a saber que o poeta Joaquim Pessoa aguardava até então a resposta de alguns museus, de arqueologia, que me reservo para já de nomear, que estariam interessados na aquisição, pelo que o Senhor João Estrada estendera o prazo de entrega, sendo que se se verificasse a capacidade de algum deles, o Senhor João Estrada cederia a sua posição.
Entretanto, a colecção fora vista e fotografada pela Polícia Judiciária, que realizara o inquérito preliminar para acautelar a legítima propriedade. Nada obstava.
As negociações do Senhor João Estrada com a CULTURGEST goraram-se, por razões de inadequação do espaço proposto. Pelo que o Senhor João Estrada decidiu edificar em Abrantes, em prédio de sua propriedade, o seu próprio espaço museológico.
Fui eu quem o desenhou, quem orientou toda a obra de edificação, enquanto, em simultaneidade, procedia à recolha de toda a colecção, ao seu inventário e à elaboração do programa de apresentação museológica.
Posso hoje dizer, parece-me, que, graças à conjunção de vontades entre mim e Senhor João Estrada, o paradeiro da ‘’Colecção Estrada’’ jamais se perderá, pelo que continua à mercê de todos os arqueólogos que, na falta óbvia da ‘’colecção egípcia’’, queiram apurar ‘’falsidades’’ na ‘’Colecção Estrada’’.
Mas há mais, muito mais para relatar.
Porque razão a Fundação Ernesto Lourenço Estrada & Filhos insiste peremptoriamente em que nunca apresentou nem apresentaria queixa do poeta Joaquim Pessoa, muito menos de mim? De quem partiu então a iniciativa?
Da PARVALOREM? Da GESLUSA? Terão a PARVALOREM e a GESLUSA decidido cuidar dos interesses da Fundação Ernesto Lourenço Estrada & Filhos? Porquê? Não teria sido mais fácil terem procurado o paradeiro da colecção deles?
O leitor vai entender porquê. Até amanhã.
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