Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
O lado do Caso BPN que poucos conhecem nos seus trâmites mais profundos, obscurecidos pelos interesses das partes envolvidas. O relevo dado a duas colecções de arte entretanto sem paradeiro, fazendo crer que são motivo de todo o descalabro do caso BPN
Assistimos hoje, durante todo o dia, a episódios degradantes de abuso da liberdade da imprensa. O que se passou, registado por várias cadeias televisivas, deve merecer o repúdio veemente de todos os portugueses e um estado de alerta relativamente ao avassalador minguar dos direitos individuais face a uma obscena investida dos alegados direitos e privilégios dos grandes grupos financeiros, nomeadamente daqueles que dispõem do exclusivo na manipulação da comunicação social.
Já devíamos ter tomado consciência plena de que os órgãos de comunicação social, estando concentrados na propriedade de três grandes grupos empresariais, se tornaram num dispositivo estratégico do grande capital para, no contexto e com o argumento da crise, reduzir os portugueses ao estado elementar de cidadania anterior a 1974.
Em Portugal qualquer cidadão acusado ou suspeito arguido criminalmente tem obrigatoriamente que ter um advogado. De resto, enquanto não tiver, a maioria das diligências que afectarem direitos e garantias elementares não podem realizar-se, sendo consideradas nulas se realizadas sem o respeito por esse requisito.
A exigência de um advogado e a extensão e domínio que são hoje em dia requeridos para a sua intervenção são sem dúvida excessivos porque limitam drasticamente a intervenção do indivíduo. Tal é, a meu ver, o resultado de uma crescente pressão dos advogados e da sua ordem na disputa de cada vez maiores domínios de exclusividade profissional, em débito dos direitos dos sujeitos.
Mas é inultrapassável que no actual figurino processual qualquer processo, inquérito ou investigação encalharia no caso de se registar qualquer impedimento a que um acusado ou suspeito fosse representado por um advogado.
João Araújo é o defensor constituído de José Sócrates. Como tal, não abdicou dos seus direitos individuais e do seu arbítrio. Pode estabelecer consigo próprio o que declara e a quem. Porque razão tem o Correio da Manhã tanta raiva a João Araújo?
Ao Correio da Manhã não agrada que José Sócrates tenha um advogado. Não agrada que José Sócrates tenha visitas, amigos ou alguém que o apoie. O que faria rejubilar o Correio da Manhã seria que José Sócrates fosse degredado nas masmorras, sem ver ninguém, sem advogado que o defendesse ou mesmo alguém que verificasse, todas as manhãs se os seus companheiros ou guardas de prisão, conjurados com o Mário Machado, ainda não o executaram.
O que hoje se passou entre o Correio da Manhã e o advogado João Araújo é de extrema gravidade. A COFINA não tem esse direito, mascarando os seus torpes propósitos políticos atrás do alegado dever de informar.
O advogado João Araújo foi hoje claramente agredido nos seus direitos fundamentais pela COFINA através do Correio da Manhã.
Mas que fique claro que, até clarificação de tudo o que se tem passado com esta ‘’operação’’, os magistrados Rosário Teixeira e Carlos Alexandre são cúmplices.
Rosário Teixeira confessou que incorrera em todas as violações da ‘’normalidade’’ processual na detenção, buscas e interrogatórios de Carlos Santos Silva e do advogado Gonçalo Trindade, alegando como atenuante que o fizera com o ‘’consentimento’’ das vítimas.
O que parece agora é que os super magistrados já não podem invocar o ‘’consentimento’’ das vítimas para justificar as suas grosserias, pois as vítimas são acompanhadas e defendidas por advogados.
Através do Correio da Manhã e do poder irrevogável da COFINA, os super magistrados tentam inibir e restringir a acção dos advogados, apresentando-os como uma extensão da identidade dos suspeitos. Trata-se de uma torpe manha mediática.
Atenção, portugueses!
Minha Cara Cátia Esteves.
Eu respondo ao seu comentário com todo o empenho e fazendo recurso de todas as minhas aptidões para ser claro e rigoroso. Em primeiro lugar por compromisso em responder a todos os comentários que revelem ser genuínos, ou seja, suscitados por uma genuína vontade ou propósito de debater estas questões, quer em acordo ou desacordo, e servir para proporcionar luz onde predominam as trevas.
Depois, porque é em resposta a comentários como o seu que eu posso desenvolver, em benefício de todos os leitores desta página ou brochura, o que sinteticamente expus.
Vou ter que distribuir esta resposta por mais do que uma ou duas caixas de comentário, porque, como sabe, elas são limitadas em extensão.
Tentando ordenar as questões que o seu comentário levanta, começaria por chamar a atenção para que direito não é justiça nem justiça é direito. Há que dizer mesmo que nem sempre o direito alcança a justiça nem a justiça se confina ao direito. Para não enveredar por outra interrogação especulativa, que seria a de saber se o pressuposto do direito é alcançar a justiça.
Lamentavelmente, em Portugal, para nos restringirmos, a formação em direito centra-se cada vez mais, no âmbito de uma concepção tecnocrática da ‘’ciência’’, nos meandros, ‘’casuisticos’’ como se tornou moda alegar, da vocação processual. É talvez por isso que o direito se representa na sociedade como uma rábula. É por isso também que o direito pode ser confundido com a justiça, porque faltam ao direito as componentes filosóficas propedêuticas de reflexão ética, ontológica e mesmo deontológica.
Por isso, a maior partes dos intervenientes no direito, sejam réus, advogados, magistrados ou polícias, já nem se apercebem que o direito comporta pelo menos duas componentes estruturantes, uma diz respeito ao antigamente denominado ‘’direito natural’’, divino, antropológico, ético, conforme a ideologia que o alega, outro denominado ‘’direito positivo’’. Vamos pois, para resolver de forma prática questões filosóficas que só atrapalham os especialistas nos ‘’trâmites’’ processuais, condensar as matérias estabelecendo duas categorias. O direito e a ética (do direito).
(Continua)
Noto que, para os manipuladores do direito processual, aquilo que resta universalmente do ‘’direito natural’’, as garantias e liberdades por exemplo, por norma vertidos nos pactos constitucionais, se apresentam como atropelos à ‘’justiça’’, vínculos externos mas imperativos, sempre contornáveis, impostos ao direito processual, porque as normas processuais os tiveram que consagrar como pressupostos.
Foi por esta razão, porque fragmentou o direito em ‘’ciência’’ processual e imposições éticas, que o direito processual se transformou em habilidades para contornar os pressupostos éticos e a justiça é o resultado ‘’equidistante’’ da manha das partes.
Perdoe expor o assunto com um certo sarcasmo.
Ora, do ponto de vista do direito processual, a que foram impostos pressupostos constitucionalmente consagrados pelo ‘’direito natural’’, José Sócrates nem é inocente nem culpado, é suspeito e arguido num inquérito de investigação.
Só se poderá falar em inocente ou culpado após proferida a acusação e em sede de julgamento se o réu não aceitar a culpa. Aceitando o réu a culpa, passará a debater-se processualmente a pena.
Do ponto de vista ‘’teórico’’ seria assim.
O caso de José Sócrates apresenta todavia alguns ‘’desvios’’ à teoria, na medida em que ao processo e às suas ‘’manhas’’ outra dimensão processual, a ‘’comunicação do processo’’.
O processo desenvolve-se pois em duas dimensões, uma é o processo e o que nele consta e outra o que dele consta como constando nele.
(Continua)
O que vamos verificar é que o que consta no processo é o que dele consta e é feito constar. O processo é pois um drama cénico com uma estrutura espontânea, em que um dos actores vai suscitando ao outro, na boca da cena, o seu papel.
Com base em suspeitas, cuja consistência o público não pode avaliar, porque na verdade não conhece, a ‘’acusação’’ criou um facto mediático, prendeu um ex primeiro ministro.
Ao transfomar a suspeita num facto mediático, com a prisão do suspeito para não perturbar a investigação, os investigadores transformaram, na cena, ou no palco, a suspeita numa acusação. E colocam-se na expectativa da reacção do suspeito e do público.
É uma espécie de direito processual experimental em que se testa a possibilidade de o processo, os seus titulares e o que nele alegadamente consta preservarem a sua reputação transferindo para o espectáculo e os meios de comunicação a responsabilidade pela acusação que não consta ainda no processo mas consta dele.
Observando analiticamente os meios mobilizados para esta ‘’operação’’ cénica, os meios e as formas, somos obrigados a constatar que o processo tem propósitos políticos e partidários.
Vamos pois analisar a questão de saber se Sócrates é culpado ou inocente à luz de uma análise detalhada e circunstancial das manhas processuais e da relação entre o que consta do processo e é feito constar dele com o que nele consta.
Mais logo venho concluir.
(Continua)