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‘’Será um ato inédito. Um procurador de primeira instância vai pedir para assistir à distribuição do recurso de Sócrates na Relação de Lisboa. Rosário Teixeira quer acompanhar a diligência, numa altura em que as regras de distribuição estão longe de ser claras.’’

Correio da Manhã, 17 de Janeiro de 2015.

 

Como já foi assinalado, até à exaustão, esta formulação emitida pelo Correio da Manhã seria um ‘’tiro no pé’’ do procurador Rosário Teixeira. O que resta apurar é quem deu o tiro no pé do procurador, se o jornal se o próprio.

 

Insistimos de novo em que o reforço da legitimidade de um titular de uma magistratura, de um segmento ou de uma ‘’família’’ dentro de um sistema judicial, num Estado de direito, não pode assentar sobre a denúncia de ilegitimidade de outros. Há muito que denunciamos, deste ponto de vista, a promoção de ‘’super magistrados’’. Rosário Teixeira, tendo em referência o que literalmente difunde o Correio da Manhã, lança sobre os procedimentos de sorteio dos processos no Tribunal da Relação suspeitas inequívocas de fraude, sem que o próprio Tribunal venha a público denunciá-lo.

 

Por outro lado, as certezas acerca dos procedimentos a que o procurador e o juiz de instrução têm recorrido para colmatar a falta de consolidação de suspeitas e conjecturas sucedem-se e acumulam-se também, dentro e fora do sistema judicial, sugeridas mesmo por múltiplos titulares de magistraturas. Do mesmo modo, tanto o procurador como o juiz de instrução avançam olimpicamente num itinerário de irregularidades óbvias, sem qualquer explicação, sempre remetida para a capa do dia de dois ou três pasquins.

 

Este ‘’modus operandi’’ teve já uma consequência inultrapassável. Os portugueses habituaram-se a auscultar as intenções, a consciência, as susceptibilidades, as fraquezas, as convicções, mas sobretudo a manha dos super magistrados através da leitura das capas e dos títulos de caixa de dois ou três pasquins.

Houve quem tivesse, desde o início, alertado para o que se iria passar. Mas tudo faz crer em que os super magistrados já não conseguiam corrigir a sua orientação, ou por arrogância vã, ou por terem já atolado na lama.

É de novo sobre a comunicação social, como voz oficiosa da magistratura, que vou discorrer.

 

Nós temos hoje em dia um jornalismo deplorável. Quando leio, pela quinta vez, analiticamente, o editorial de Afonso Camões de 19 de Janeiro, no Jornal de Notícias, reforço a minha convicção de que Afonso Camões, acusado pelo Correio da Manhã, por instigação dos investigadores, de ter informado em Maio José Sócrates de que estava a ser investigado, foi aconselhado, talvez pela PGR, a colaborar um pouco com os acusadores, como acontecera com João Perna.

 

Vamos em seguida analisar o currículo de Afonso Camões. Mas, sem dúvida, tanto na forma como no conteúdo, o editorial do Director do Jornal de Notícias é também um tiro nos pés de José Sócrates. Ou pretendeu ser.

 

Para se defender, não se entende de quê, Afonso Camões conclui o seu editorial sugerindo que, fazendo valer o seu metro e oitenta e dois de altura e a sua remota experiência de ginasta e futebolista, hesita ainda mas pode vir a ‘’ir às fuças’’ de quem o ofender. Agora, que leio pela quinta vez, ainda incrédulo, o editorial do atleta, temo que as ‘’fuças’’ que devem temer a visita do Afonso Camões sejam as da Procuradora Geral da República.

A liberdade de imprensa é uma fraude. Todos sabemos. Vamos então saber quem é o dono de Afonso Camões.

Mas atenção. Os jornalistas não são putas. Por norma, as putas rejeitam donos. Dizem até que são anarquistas.

 

Nós sabemos todos que os meios de comunicação social, em Portugal, estão concentrados na propriedade de três grandes grupos empresariais, ligados a outros três grandes grupos de interesses financeiros e políticos. E isto respeita à imprensa, à televisão e à rádio. Mas continuamos a fazer de contas que a comunicação social é independente, ou que os jornalistas o são. É essa cumplicidade de aceitação tácita entre os consumidores da comunicação social e os seus produtores que fundamenta a alegação de que os órgãos de comunicação social, como titulares de uma transferência de cidadania, podem ou devem constituir-se como assistentes do Ministério Público nos processos relacionados com a corrupção política.

Como assistentes do Ministério Público, os órgãos de comunicação social apresentam-se como nossos mandatários. Nossos, de todos, como se tivessem sido eleitos, ao abrigo do princípio hipócrita de que o dever e direito a informar, a informar-nos a nós, é um sagrado bem público. A partir de então, na cumplicidade com os administradores da justiça, eles transformam-se no elo de ligação e de mediação entre a justiça e a nossa consciência.

 

Como assistente do Ministério Público, a comunicação social é sobretudo a ‘’régie’’ da mediatização do episódio judicial, no âmbito de uma associação e convergência dos interesses dos responsáveis judiciais por uma acusação ou suspeita com os interesses dos donos da voz dos órgãos de comunicação. Através da comunicação social e como a comunicação social goza de um estatuto de maior e mais rigoroso vínculo à verdade do que gozam os magistrados e polícias, aos quais a comunicação social vai corrosivamente atribuindo uma associação conspirativa estrutural com os políticos e por eles manipulados, as decisões dos agentes judiciais descontaminam-se.

 

Todos sabemos que assim é. Mas todos estamos dispostos a fingir que não, se os interesses dos donos da comunicação social e dos jornalistas, bem como os dos donos da justiça e dos magistrados, que são os mesmos, convergirem com os nossos interesses e nos fizerem acreditar em que a verdade que nos transmitem coincide com a verdade que nos apetece. Por isso, a própria justiça e os seus agentes podem previamente avaliar, antes da difusão mediática e através da comunicação social, os índices de audiência de um tema, de uma verdade ou de uma mentira.

 

Esta foi a razão por que a revista SÁBADO foi encarregue, pelo Ministério Público, em Julho, de difundir a notícia de que José Sócrates estava a ser investigado e seria em breve detido. A notícia caíu bem. Só havia que, aceleradamente, avançar para a detenção.

 

Mas surge agora, com este episódio que envolve Afonso Camões e Proença de Carvalho, uma nova perspectiva sobre o episódio.

 

Por que razão o Ministério Público informara Afonso Camões previamente, antes mesmo de ter informado a revista SÁBADO, da sua intenção de deter José Sócrates?

 

A mim parece-me muito óbvio. O Ministério Público sabia que Afonso Camões, como era natural, informaria José Sócrates. Se o não fizesse ninguém lhe perdoaria e todos o acusariam de trair o amigo.

Assim sendo, quando detivesse José Sócrates, o Ministério Público poderia alegar que José Sócrates sabia que estava a ser investigado e iria ser detido, justificando com o facto a falta de consolidação das suspeitas, porque José Sócrates iria ocultar e destruir provas.

Quando o ‘’segredo’’ foi transmitido a Afonso Camões tratava-se de uma armadilha de cujo êxito dependeria todo o curso das diligências processuais.

 

Porque razão Afonso Camões não colocou o assunto nesta forma? Quem é o dono de Afonso Camões?

É o que interrogaremos analiticamente no próximo capítulo.

( * )Já após escrita e publicada esta nota, o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa declarou não ter conhecimento de que Rosário Teixeira tivesse requerido (exigido é o termo do Correio da Manhã) estar presente no sorteio. Uma mão lava a outra.

 

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7 comentários

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De Lucas Galuxo a 21.01.2015 às 04:03

Hum. Não será conspiração a mais? Como é que saberiam que Afonso Camões deixaria prova do seu aviso a José Sócrates em escuta telefónica e não o informaria pessoalmente sem deixar qualquer rasto? E que diferença faz JS ter tido conhecimento da investigação por Afonso Camões ou pela revista Sábado? Não. O único motivo de interesse que vejo neste caso é constatar que o conteúdo de escutas telefónicas realizadas durante ano e meio a um cidadão estão na mesa de redacção de um jornal antes que se saiba se vai haver julgamento.
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De MCN a 21.01.2015 às 13:16

Devo confessar, Caro Lucas Galucho, que, após ler o seu comentário, se tornou para mim mais importante responder-lhe do que concluir a segunda parte desta nota. E isso é curioso e surpreendente.

Começo por chamar a sua atenção para o seguinte.

Desde há cerca de um ano que as organizações corporativas representativas dos magistrados têm insistido muito visivelmente, demasiado, a meu ver, ou levianamente talvez, na reclamação de mais benefícios salariais para a sua classe, alegando a complexidade dos processos mas, sobretudo, a garantia de independência e de isenção. Noto também que a própria Polícia Judiciária tentou explicitamente entrar de boleia nesse ‘’autocarro’’, passe a expressão.

Num dado contexto histórico e social, em que está em causa a distribuição dos sacrifícios através de todos os segmentos da sociedade, no estado caótico da crise alegada, os benefícios requeridos pelos magistrados não caem bem. Mas sobretudo não caem bem quando se alega que os benefícios são a condição necessária à independência.

Este mero registo conduzir-nos-ia à dedução de que a classe ou corporação dos magistrados, juízes e procuradores, é constituída por estúpidos ou perdeu drasticamente a capacidade de raciocínio, já não consegue avaliar como a sua imagem se difundiria do lado de trás do espelho.

Será assim? O certo é que eu não ouvi um único magistrado sair a público a demarcar-se: ‘’A minha independência nunca foi condicionada pelo meu salário.’’ Nem o Conselho Superior de Magistratura se pronunciou.


* Continua.

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De MCN a 21.01.2015 às 13:17

*Continuação.


Antes, talvez como prólogo, condicionante e prévio à apresentação da matéria, ainda em 2011, no clímax da fúria eleitoral, o Jornal de Negócios, Grupo COFINA, publicara uma surpreendente notícia com o título: ‘’Rosário Teixeira é o 32º mais poderoso da economia portuguesa.’’ O Jornal de Negócios elaborara uma tabela de classificação, ‘’ranking’’, das entidades mais poderosas na economia portuguesa e integrara o nome do Procurador na 32ª posição, referindo o valor dos processos que tinha em mãos e pelo menos a alegada recuperação de cem milhões de Euros para o fisco.

Um procurador, tendo todavia feito outras opções, realizou a mesma licenciatura que realizou um advogado e estuda e queima as suas pestanas nos mesmos livros e com as mesmas matérias. Na conclusão da sua licenciatura, pode ser Rosário Teixeira ou Proença de Carvalho. Foi uma questão de opção.

Eu, que também por lá andei, pelo curso de Direito, mas que desisti pouco antes de o concluir, observando o que se passa em meu redor, convenci-me de que não é apenas uma questão de opção. Penso que os magistrados podem nunca vir a perdoar aos advogados a injustiça das tabelas salariais. E constato, mobilizando a minha intuição, que os magistrados começam a transmitir a ideia de que enfermam de debilidades culturais demasiado óbvias. A sabedoria e a prudência tornaram-se apanágio dos advogados, referidas geralmente pelos magistrados como ‘’rábula’’, depreciativamente.

O que quero dizer é que a ‘’manha’’ processual e os privilégios de estatuto, nomeadamente o uso discricionário do recurso às medidas penais, são os dispositivos com que os magistrados compensam o poder apelativo e insinuante da ´´rábula’’ dos advogados.

Espero que o Caro Lucas Galucho entenda o que pretendo transmitir.

Quanto a conspirações e teorias da conspiração reformulo a questão. Não serão os magistrados quem conspira contra si próprios?

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De CBO a 21.01.2015 às 18:53

Uma mão lava a outra? Não sei... parece-me que ambas ficam sujas.
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De Maria a 21.01.2015 às 21:20

Faz todo o sentido, depois de conhecermos há muito o modus operandi destes super magistrados  e que tendo um"bruxo" ao serviço do Correio da Manhã, que esperassem a reacção de Camões.É muito natural avisar um amigo sem se lembrar que pode estar a ser escutado. Na ausência de provas que incriminem Sócrates, os super coisos podem sempre usar essa desculpa para não admitirem o seu falhanço: Sócrates foi avisado por Camões e escondeu ou destruiu as provas. Qualquer coisa hão de arranjar. A pergunta do Lucas Galuxo é pertinente e a longa reposta do MCN é interessante, mas preferia uma reposta directa. :)
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De MCN a 21.01.2015 às 21:39

Cara Maria.

A questão é essa, a da interpretação do papel de Afonso Camões e aproveito também para dar uma resposta antecipada, mas provisória ao Caro Lucas Galucho.

Vou então levantar apenas um pouco o véu, avançando com uma questão que desenvolverei na segunda parte desta nota.

As notícias têm circulado em catadupa, sobrepondo-se e cavalgando umas sobre as outras, e nós por vezes não paramos um pouco para reflectir e interrogar a cronologia.

Retomemos a cronologia deste episódio, tendo como orientação o editorial de Afonso Camões.

De acordo com o que o próprio alega, o director do JN solicitara uma audiência à PGR que o recebeu no dia 15 de Janeiro acompanhada por Amadeu Guerra.

O que levava Afonso Camões à PGR era a hipótese ou convicção de que o Correio da Manhã se preparava para publicitar que, segundo escutas constantes no processo, José Sócrates fora avisado em Maio por Camões de que estava a ser investigado e iria ser detido.

O Correio da Manhã, como se estivesse a aguardar os resultados da audiência de Camões com a PGR, publicitou de imediato o assunto, no dia 16.


*Continua.

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De MCN a 21.01.2015 às 21:41

*Continuação.


O facto de Afonso Camões estar informado da agenda editorial do Correio da Manhã, ao ponto de saber que o CM se preparava para revelar esse detalhe das escutas, coloca de facto Afonso Camões num posto privilegiado de cruzamento de informações mais ou menos secretas ou confidenciais.

Afonso Camões, peço perdão se o juízo ofende alguém, não me parece, tendo mesmo em referência o editorial em epígrafe, um sujeito muito culto nem prudente. Poucos jornalistas são.

Mas, se nos cingirmos apenas ao que Afonso Camões nos permite deduzir ou cogitar, eu diria que Afonso Camões está demasiado no centro de cruzamento da informação ‘’estratégica’’.

Noto ainda que não me apercebi de que o JN se tivesse demarcado da leviandade com que toda a comunicação social tem mediatizado este assunto, o da prisão de Sócrates.

Tenhamos ainda em referência o que o próprio alega acerca da sua carreira jornalística. Trabalhou com ‘’zelo e lealdade’’ para todos os donos da comunicação social. E para sete ministros de três governos.

Não sei se é possível trabalhar com ‘’zelo e lealdade’’ para tanta gente. Nem me refiro a deus e ao diabo, trata-se mesmo dos diabos todos.

É daqui que parto.

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