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O lado do Caso BPN que poucos conhecem nos seus trâmites mais profundos, obscurecidos pelos interesses das partes envolvidas. O relevo dado a duas colecções de arte entretanto sem paradeiro, fazendo crer que são motivo de todo o descalabro do caso BPN
Ora então já sabemos que o BPN adquiriu em 2006 oitenta e cinco obras de Joan Miró ao senhor Kazumasa Katsuta, o filho do pintor japonês Shinsui Hito que em 1993 adquirira à Acquavella/Sotheby’s quinhentas e trinta obras do pintor catalão.
Katsuta doou 25 obras de Miró à Fundação Miró em 2001, pelo prazo de dez anos, doação que foi renovada por mais dez anos em 2010.
Na realidade, em 2001, esperava-se que a Fundação, de que Katsuta foi feito patrono, adquirisse toda a colecção do japonês.
Não foi assim. O japonês continuou a vender obras de Miró no mercado e apenas se sabe que oitenta e cinco estavam de algum modo associadas à contabilidade do BPN em 2008, quando Miguel Cadilhe assumiu a presidência do banco.
A primeira versão, que, com o empurrão da comunicação social, ainda corria há um ano, embora já inquinada por sucessivas contradições, foi a de que o BPN tomara como penhora e garantia as obras de Joan Miró a uma sociedade espanhola nunca nomeada. Também nunca foi claro se a garantia fora já executada e as pinturas pertenciam já ao BPN. Na medida em que as contradições se avolumavam ia-se percebendo que a SLN não era alheia ao assunto. As trapalhadas sucediam-se até que se percebeu que a SLN reclamava a propriedade das obras.
Tudo era obscuro. Porque carga de água oitenta e cinco obras de Joan Miró pertencentes ao multi-milionário Kazumasa Katsuta tinham ido parar ao BPN, à SLN, ou ao raio que os parta?
Na verdade, enquanto se tratou de um negócio privado, entre uns financeiros portugueses e um multi-milionário japonês, os portugueses nada teriam que ver, a não que se considerassem de algum modo lesados. Portugal é um estado liberal onde a livre circulação de bens e capitais é legítima, conquanto não lese os interesses do Estado e se configure com a lei. Quem poderia, em princípio, questionar a operação, ou operações que conduziam o BPN à propriedade, ou tutela cautelar das pinturas, seriam os accionistas do BPN.
A questão mudou de figura quando o Estado português nacionalizou o BPN. Se as pinturas de Joan Miró integravam o espólio do banco e estavam em propriedade legítima do BPN, a propriedade transitaria para o estado. Era simples.
Mas não era assim. Foi já no fim de 2013 que a PARUPS adquiriu ao BPN treze das pinturas, dando como pressuposto que a GALILEI, SLN, dera como pagamento ao BPN outras sessenta e oito em 2012.
Ninguém pergunta a que propósito a PARUPS comprou ao BPN treze pinturas. O Estado comprou treze pinturas ao Estado. O que quer neste caso dizer ‘’comprou’’? Quer dizer que aceitou as pinturas como pagamento de uma dívida? O BPN tem dívidas para com a PARUPS? Antes de reflectirmos sobre esta questão, estávamos todos convencidos de que a PARUPS era a sociedade criada pelo Estado para vender o património do BPN, ninguém tinha entendido que, para o vender, teria que previamente comprá-lo.
Ninguém entende a que propósito a GALILEI dá sessenta e oito pinturas de Miró em pagamento de umas dívidas cujo montante não é revelado. Mas dá as pinturas porquê? As pinturas constituíam garantia sobre essas dívidas? Ou o Estado aceitou as pinturas em substituição de outras garantias? De quais? Que outros bens pôs a GALILEI a recato e substituiu por umas pinturas de Joan Miró?
Porque razão o Estado não accionou, simplesmente, os procedimentos de execução das garantias e se envolveu neste carrossel de negócios de substituição de garantias?
Mas porque diziam então todos que as pinturas pertenciam ao Estado, ou ao BPN, se a GALILEI as deu como pagamento de umas dívidas?
É, sem dúvida uma contabilidade peculiar, um estilo herdado de Oliveira e Costa.
O que é de facto surpreendente é que os portugueses aceitem todas estas explicações desmanteladas e não exijam saber a verdade. Convém-lhes uma verdade fácil, que possam jogar no quotidiano da chicana política, como desde há muito dizemos. Enquanto a obscuridade persistir, o ‘’caso BPN’’ está à disposição de todos para suscitar questões miúdas de ‘’revanche’’ na agenda política.
Mas porque razão disseram aos portugueses que eram donos de uma valiosa colecção de obras de Miró para os compensar da canga de uns milhares de milhões de Euros que lhes caíram em défice?
Sem dúvida o leitor não nos tem lido com muita atenção. Só os senhores jornalistas e os senhores políticos nos têm lido, por isso vão sucessivamente corrigindo a falsa informação com que têm intoxicado a opinião pública.
Depois que o revelámos, a imprensa estrangeira, nomeadamente espanhola e inglesa, já admitiu que os Miró eram os do senhor Katsuta.
Nós não questionámos ainda o valor da Colecção Miró do BPN. Nem questionamos, a bem dizer, a oportunidade da sua venda.
Vamos ser claros.
O que nós temos insistido em saber é:
Qual o exacto custo em que a colecção Miró está para os portugueses, com clareza e sem cambalhotas contabilísticas.
Qual o objectivo da venda da colecção Miró por trinta milhões de Euros, qual vai ser exactamente o montante da perda se a venda for concluída por esse valor.
Em que rubrica de contabilidade serão ou foram lançadas as perdas da imparidade, entre o custo da colecção em sede de contabilidade do BPN e o valor em sede de avaliação da Christie’s, se a houver.
Qual, objectivamente e sem manhas, é de facto o itinerário da propriedade e posse das obras de Miró que constituem a colecção BPN desde 2001.
Onde estiveram entre 2008 e 2014.
Quem conhecia exaustivamente a composição da colecção BPN até à sua publicação nos catálogos da Christie’s, onde a viu ou de que forma a pôde conhecer.
Até sabermos isto, qualquer petição ou diligência para manter a colecção Miró do BPN em Portugal parece-nos uma manobra dilatória que vem tentar encobrir o facto objectivo de o Estado português e as entidades responsáveis pela desinformação não poderem prestar com rigor esta informação.
A decisão de manter ou não a colecção em Portugal deveria ser posterior à resposta clara a estas questões.
O resto é oportunismo político de circunstância ou associação de malfeitores.
Achamos oportuno deixar aqui mais um comentário. E uma imagem.
O ‘’record’’ alcançado num leilão por uma obra de Joan Miró remonta a Junho de 2012, Sotheby’s, com ‘’Estrela Azul’’, cerca de vinte e três milhões e quinhentas mil libras, vinte e nove milhões de Euros, quase o valor da colecção BPN de acordo com a avaliação da Christie’s.
É óbvio que a ‘’Estrela Azul’’ obedece a todos os requisitos que conferem apelo a uma pintura, nomeadamente de Miró, cuja caligrafia pictórica nem sempre é alcançável, pode necessitar de uma hermenêutica diligente e apresentar-se visualmente como uma nota caótica de pé de página.
Comparemos a ‘’Estrela Azul’’ com uma das ‘’estrelas’’ do leilão de 4 de Fevereiro, Christie’s. ‘’La formarina’’, a entrar na sala com três milhões e quinhentos mil Euros, dez por cento de toda a colecção.
E agora imagine o leitor que necessitava de ornamentar a parede de fundo da sua banheira de torneiras douradas. Que opção faria?
Aquele azul quase total do fundo, com breves apontamentos de caligrafias breves, uma explosão de mistério óbvio para os impulsos sensoriais mais imediatos.
É que o mercado da arte também é, ele próprio, um circo.
Nota . Cataio: Nome por que durante os séculos XVI e XVII era conhecida a China na Europa.